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Esclerose múltipla – por que mindfulness?

Um dos tipos mais comuns de problemas que afetam o sistema nervoso central é a esclerose múltipla (EM), um tipo de endurecimento ou lesão nos tecidos seja do cérebro, seja da medula espinhal. Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla cerca de trinta e cinco mil pessoas sofrem de esclerose múltipla no Brasil, as quais podem manifestar diversos sintomas que variam de pessoa a pessoa. Dentre eles estão adormecimento, formigamento, rigidez e espasmos em diferentes partes do corpo, instabilidade no andar, vertigens e náuseas, problemas de visão, controle da bexiga, e mesmo transtornos cognitivos (como falhas na memória e na execução de tarefas) e emocionais (como irritabilidade, ansiedade, etc.).

Ainda que não se saiba a causa da esclerose múltipla, e portanto não haja um tratamento estabelecido para sua cura, sabe-se que o controle de seus sintomas, tanto físicos quanto mentais, pode efetivamente ser gerenciado por um número de estratégias, melhorando grandemente a qualidade de vida dos que sofrem desse mal. Depressão, dor, cansaço e ansiedade são alguns dos problemas mais comuns afetando pacientes com EM, e coincidentemente o treinamento em mindfulness tem se provado bastante eficiente exatamente para esse mesmo conjunto de problemas.

Uma das características principais de mindfulness é a observação tranquila e equilibrada de nossas reações mentais e emocionais às manifestações de dor e exaustão. Comumente o indíviduo reage à dor e ao cansaço com desprazer e reatividade, o que aumenta ainda mais o estresse. Ao treinar uma resposta mais equilibrada às vicissitudes da vida, o indivíduo hábil em mindfulness sofre menos pois não acrescenta sua própria ansiedade às experiências dolorosas. No estudo de 2014 que apareceu no BMC Neurology [Simpson, Booth, Lawrence, Byrne, Mair and Mercer (2014). “Mindfulness based interventions in multiple sclerosis – a systematic review”], uma ampla avaliação foi realizada com base em três estudos anteriores abrangendo 183 participantes, com a conclusão de que intervenções baseadas em mindfulness podem de fato beneficiar alguns pacientes portadores de esclerose múltipla em termos de qualidade de vida e saúde mental, traços que são extremamente importantes já que a saúde mental é um fator frequente que se deteriora diante do enfrentamento de uma doença crônica e comumente progressiva. Os resultados de mindfulness na redução da depressão foram tão positivos que o UK National Institute for Health and Care Excellence (NICE) aprovou intervenções baseadas em mindfulness no tratamento da depressão [Ramel, Goldin, Carmona, McQuaid. “The effects of mindful meditation on cognitive processes and affect in patients with past depression”. Cognitive Therapy and Research Volume 28, Issue 4:433-455]

Mindfulness atua efetivamente no gerenciamento da ansiedade (que afeta 16,5% dos pacientes) e na depressão (46%). Em um estudo mais recente de 2016 [Spitzer & Pakenham. (2016). “Evaluation of a brief community-based mindfulness intervention for people with multiple sclerosis: a pilot study”.], vinte e três australianos passaram por um breve programa de mindfulness (cinco sessões de 2 horas), com o resultado declarado de melhorias no estresse psicológico, estresse percebido, qualidade de vida e aumento da autocompaixão e aceitação. Ao treinar o direcionamento da atenção, o indivíduo passa a ter maior controle de seu pensamento, evitando que passe um longo tempo recordando eventos do passado ou se preocupando com as consequências futuras de sua doença.

Em alguns programas de mindfulness, compaixão e aceitação são partes integrantes do treinamento. Essa perspectiva de vida colabora grandemente para a não-reatividade por meio de uma relação mais saudável consigo mesmo, não reagindo à doença por meio de culpa, menosprezo ou exigências exageradas dirigidas a si mesmo. É importante notar que segundo o estudo publicado no British Journal of Health Psychology [Bogosian, Hughes, Norton, Silber, Moss-Morris. “Potential treatment mechanisms in a mindfulness-based intervention for people with progressive multiple sclerosis”.], aceitação e autocompaixão precisam de mais tempo de prática diária de mindfulness para se desenvolverem. A conclusão geral do estudo mostrou que no caso das pessoas com condições crônicas progressivas “as intervenções baseadas em mindfulness podem ser mais benéficas focando em ajudá-las a aceitar os desafios diários e ensiná-las a reconhecer seus pensamentos e sentimentos, permitindo um tempo para a aceitação e a autocompaixão se desenvolverem. Dinâmicas grupais também têm um papel fundamental no sucesso das intervenções baseadas em mindfulness”.

Mindfulness pode ser uma terapia de apoio não apenas para os sintomas mentais e emocionais, mas também no lidar direto com os sintomas físicos da EM, juntamente com terapias corporais como a reflexologia, a massagem e o tai chi chuan. Um estudo que apareceu no BMC Neurology [Burschka, Keune, Oy, Oschmann, Kuhn (2014). “Mindfulness-based interventions in multiple sclerosis: beneficial effects of Tai Chi on balance, coordination, fatigue and depression”.], revelou que um programa de tai chi chuan de duas sessões semanais de 90 minutos durante seis meses, “mostrou significativa melhoria no equilíbrio, coordenação e depressão nos pacientes de esclerose múltipla”. O tai chi chuan pode ser visto como inserido na categoria de movimentos conscientes, uma parte integrante do treinamento em mindfulness que trabalha de várias maneiras com a conscientização corporal. Outro estudo [Mills & Allen (2000). “Mindfulness of movement as a coping strategy in multiple sclerosis: a pilot study”.] revelou melhorias significativas e diminuição da deterioração dos sintomas relacionados ao controle de movimentos, como melhoria no equilíbrio, na distância que se aguenta caminhar, na redução do enrijecimento nas juntas e melhor controle da bexiga. Se intervenções breves já demonstram resultados positivos, a meditação praticada consistentemente por períodos longos revelam um aumento da rede neuronal em diversas áreas do cérebro, o que é de grande interesse já que pessoas sofrendo de esclerose múltipla têm uma maior tendência à neurodegeneração que a população geral [Luders, Toga, Lepore, Gaser. “The underlying anatomical correlates of long-term meditation: Larger hippocampal and frontal volumes of gray matter”. Neuroimage, Vol 45, Issue 3, 15 April 2009: 672–678; e Lazar, Kerr, Wasserman, et al. “Meditation experience is associated with increased cortical thickness”. Neuroreport 2005; 16(17):193-197]

É importante lembrar que as primeiras pesquisas sobre mindfulness no Ocidente foram exatamente dirigidas aos seus efeitos no gerenciamento das doenças crônicas, tendo revelado efeitos significativos no sistema neuroendócrino, imunológico e neuroplástico, tendo nesse sentido várias décadas de estudo no apoio do tratamento e melhoria da qualidade de vida naqueles que sofrem de doenças crônicas, ansiedade e dor. A ênfase dos programas de mindfulness na necessidade da prática regular por iniciativa do próprio indivíduo o prepara para o cuidado constante com seu nível de estresse, que é um dos disparadores de recaídas e/ou agravamentos da doença, além de colaborar pontualmente em lidar com alguns dos sintomas específicos dos indivíduos com EM

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

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