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O rei e o monge

Na publicação anterior introduzi três elementos muito importantes em nossa relação com as coisas: o sentir, o desejar ardentemente e o se apegar. O sentir ou a sensação é a base para o aparecimento do desejo sedento.  Em nossa vida cotidiana geralmente não sabemos bem como nos relacionar com aquilo que sentimos. E por isso reagimos a isso desejando ardentemente ter mais das sensações que achamos prazerosas e odiando (que é o outro tipo de desejo sedento) aquelas desagradáveis. O desejo sedento usa o sentir ou as sensações como base para sua existência.

O apego depende desse desejo sedento para existir. Antes de haver o agarrar, deve existir um desejar muito. Esse tipo de desejar foi comparado nas escrituras com uma série de coisas. Vejamos uma série de metáforas que podem nos ajudar a ter uma ideia melhor.

A primeira comparação é com a escravidão.  Ser tomado pelo desejo sedento é como você ser um escravo. É dito que na antiga Índia um rei se aproximou de um monge, o qual ele já conhecia antes deste se tornar monge. Esse monge havia sido uma pessoa culta, vinda de uma família rica, e o rei  fica surpreso dele ter se tornado monge. O rei lhe pergunta porque teria entrado nesta vida de simplicidade e despojamento. O monge responde com uma pergunta. Se o rei soubesse que existe uma terra ao lado da dele, cheia de riquezas, e que fosse uma coisa muito fácil de conquistar, sem muitos soldados e violência, o que ele faria? O rei responde que obviamente tentaria conquistar. A partir disso, o monge segue perguntando sobre territórios ao norte, ao leste, ao sul, mais pertos, mais distantes. E o rei prossegue afirmando que, sim, que ele tentaria conquistar todos eles.

Isso é um exemplo apropriado para um rei. Talvez hoje nós disséssemos: “Se você tivesse dinheiro e uma loja perto com tal ou qual produto facilmente disponível, você o compraria (conquistaria)? A conversa, na história, levou o rei a perceber que não há um limite para a fome mental. É só você apresentar um novo aparelho ou um novo território que continuamente o desejo despertará. Nesse sentido, o rei que parece ser o protagonista da história, nada mais é do que um escravo de sua própria insaciedade. É aí que o monge responde finalmente a primeira pergunta. Ele se tornara um monge justamente para não ser mais escravo.

É bastante interessante o ensinamento presente nessa história. A ideia é de que se você perceber nitidamente sua escravidão ou sua dependência em relação às coisas, você passará a refletir sobre maneiras de mudar seu relacionamento com elas. Novamente vale lembrar que o problema não está nas coisas, mas sim ao modo como você se relaciona com elas. Você não precisa tomar a história literalmente. Você nem é rei e milionário, nem precisa se tornar monge, mas ela pode lhe ajudar a refletir sobre o sofrimento que vem de ser insaciável.

Faça as perguntas do monge ao rei para você mesmo/a segundo sua própria situação. E na próxima publicação vamos explorar um pouco mais sobre o que é ser insaciável.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

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