Com frequência aqueles que começam a praticar mindfulness chegam a um ponto em que começam a se sentir mais leves e felizes. Não se trata de ilusão ou truque de mágica. O processo é até bem pé no chão e tem a ver como boa parte das pessoas vive atualmente. Vivemos vidas fragmentadas. Temos muitos afazeres, emails a responder, coisas a serem lembradas, pessoas para se contactar, projetos que precisam de nossa atenção, livros interessantes, emoções a serem entendidas, relacionamentos a serem resolvidos. Em meio a tudo isso não encontramos um centro, sentimo-nos perdidos na multiplicidade.
Ao ser exposta de modo regular a um método de focar a atenção a pessoa de repente percebe que ela mesma pode estar em controle de sua vida perceptiva. Ela ainda terá muitas atividades, mas sua atenção melhor dirigida fará com que ela não se sinta atacada por todos os lados. A leveza vem de poder ‘surfar’ pelos afazeres de sua vida exterior e interior com mais habilidade. A felicidade vem de, mesmo que vagamente, perceber que o bem-estar é muito mais um estado mental do que uma vida de conquistas e aquisições.
Quando diante de uma quantidade muito grande de informações a serem digeridas e tarefas a serem realizadas, a mente não treinada se refugia em histórias. Criamos histórias baseadas no que vivemos, no que desejamos, no que gostaríamos. As histórias que contamos para nós mesmos nos dão identidade.
A vida é cheia de histórias. Alguns acreditam que eles são aquilo que viveram no passado, os acontecimentos, traumas, ganhos e perdas. Outros criam uma visão de si baseada no que esperam conquistar, um tipo de eu feito de sonhos e esperanças. Histórias substituem viver no momento presente. Ou ainda, proveem lentes coloridas através das quais se viver o presente. E dependendo das histórias que você conta para si mesmo, se coloridas com rancor, superficialidade, tristeza, vitórias ou o que seja, é nessa bolha que você interpretará sua experiência presente.
Treinar a atenção é focar na consciência básica antes dela se envolver com as histórias que criamos. Antes dos “gosto, não gosto”, antes do “isto é certo, isto é errado”, antes das comparações e dicotomias. Por trás de um mundo que nos atinge incessantemente com estímulos e exigências, há uma mente capaz de simplesmente conhecer. Não prestamos normalmente atenção a tal mente. Aquela instância serena que apenas vê, ouve, sente. Voltar a atenção para esta mente antes da dispersão na multiplicidade é o que traz leveza e serenidade.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.