Durante este carnaval, e por mais alguns dias depois, vários integrantes bem como alguns alunos do NUMI, estão em retiro, aprendendo e aprofundando as habilidades de mindfulness. As práticas do retiro podem ser divididas em duas categorias. A primeira consiste dos diversos exercícios que foram desenvolvidos ao redor da prática da consciência plena por meio da respiração. A segunda categoria são as “práticas do coração”, exercícios e meditações destinadas a entrar em contato mais íntimo com as emoções, aprofundando aquelas positivas, e transformando aquelas aflitivas e perturbadoras.
Mindfulness por meio da respiração é uma prática muito antiga, e no decorrer dos séculos foi desenvolvida, expandida, modificada, secularizada, e cientificamente analisada. A respiração aqui se torna um meio para desenvolver mindfulness. Nada tem a ver com concentração na respiração, algo com que é frequentemente confundida, mas a respiração ao invés de objetivo exclusivo passa a ser um veículo para a investigação de nossas sensações e estados mentais. Diversos exercícios pode ser feitos tendo a respiração como âncora, e num retiro assim a ideia é explorar com mais profundidade um exercício de cada vez, ao longo de cada dia.
A primeira sessão de meditação começa às 6h00 e a última sessão termina às 21h15. São quase onze horas de prática diária, nas quais se incluem também meditações guiadas, instruções, aulas formais e exercícios chineses de qi gong. Todo o retiro é realizado em silêncio, o que favorece a melhor absorção do conteúdo. A maior parte das pessoas não tem realmente muitas oportunidades de estarem em silêncio, sozinhas consigo mesmas. Estar num ambiente de natureza, olhando intensamente para mente, corpo e suas relações é uma bênção. Aqui podemos fazer perguntas como qual é a natureza da mente, como podemos usar mindfulness para um conhecimento transformador de si mesmo, como a prática profunda pode afetar o meio em que vivemos, nossas famílias, relações de amizade, sociedade.
O condutor desse retiro, que ainda não terminou, é Santikaro, um professor americano que por duas décadas viveu a vida de monge nas florestas da Tailândia como o principal tradutor de Ajahn Buddhadāsa, um dos mais influentes monges buddhistas do Sudeste Asiático. Seus interesses pelos problemas da globalização, responsabilidade social, doença, discriminação, o levaram a se interessar pelo processo meditativo em seu poder de levantar questões profundas sobre esses temas, trazendo a meditação como algo relevante ao dia a dia, ao invés de uma prática isolacionista e, porque não dizer, egoísta.
Mindfulness não é desenvolvida apenas por meio da investigação detalhada de mente e corpo (por meio da respiração neste caso), mas também por “práticas do coração”. O que são elas? O Dalai Lama costuma dizer que gosta muito de ciência, e que desde quando era pequeno admirava o pensamento científico. Mas uma coisa que achava que faltava era que a ciência ocidental quase que exclusivamente se dedicava apenas a investigar as coisas externas, os fenômenos materiais. A realidade da mente ou da consciência, entretanto, era inegável. Por que não estudar, com o mesmo rigor científico, também o fenômeno da consciência? E desde então uma das coisas mais estudadas pela nova ciência ocidental da consciência são os efeitos fisiológicos e psicológicos do desenvolvimento da compaixão, do perdão ou da gratidão, para citar apenas alguns exemplos. Geralmente pensamos que a única maneira de vivenciar esses sentimentos é esperar que surjam espontaneamente. Colocamo-nos passivamente à espera de que sentimentos positivos surjam em nós, ao invés de intencionalmente trabalhar para seu desenvolvimento e assim experienciar seus resultados transformadores.
É nossa esperança que trabalhando mais profundamente em nossa própria prática possamos servir cada vez melhor nossos alunos e parceiros. Até semana que vem!
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.