Com olhos fechados e respirações profundas, estudantes aprendem um novo método para reduzir a ansiedade, o conflito e desvios da atenção. Mas não chamem a isso, meditação.
por Jill Suttie
Na Escola Elementar Toluca Lake em Los Angeles, EUA, uma cerca anticiclone delimita o asfalto, que fervilha de crianças. É hora do recreio e as crianças, a maioria, latinas, brincam de pegador, gritam, jogam bola e pulam corda. Quando bate o sinal, elas param relutantes e se encaminham de volta às salas de aula – exceto os alunos de Daniel Murphy, do segundo ano.
Os alunos de Murphy vão para o auditório da escola, cada um carregando uma almofada redonda, azul, decorada com estrelas. Eles entram rindo e conversando, mas logo estão assentados num círculo em suas almofadas, os olhos fechados, silenciosos, em concentração. Dois professores instruem os alunos para voltarem sua atenção à respiração, pedindo-lhes que notem o subir e descer de suas barrigas e peitos, a passagem do ar para dentro e fora do nariz. Apesar de o cômodo estar frio – o sistema de aquecimento havia estragado mais cedo – as crianças parecem confortáveis, muitas com sorrisos Mona Lisa no rosto.
“O que vocês notaram em sua respiração hoje?”, pergunta um professor. “A minha estava como um dragão”, diz Michael, uma criança à direita do professor. Albert, outra criança, acrescenta: “Sim, consegui ver a minha. Era como fumaça.”
Os professores guiam as crianças durante 45 minutos de exercícios focados na respiração, na escuta, nos movimentos e na reflexão. Em certos momentos, as crianças são solicitadas a avaliar seus sentimentos – calmos, neutros ou agitados. Não há respostas certas ou erradas, apenas a observação. A sessão termina com as crianças deitadas de costas, quietas, com animais de pelúcia sobre os estômagos, subindo e descendo, enquanto contemplam a paz em si e na comunidade. Mais tarde, Emily, de sete anos de idade, resume sua experiência: “Eu gosto da aula porque ela me acalma e me deixa mole por dentro. Ela me faz sentir bem.”
Toluca Lake é uma dentre um número crescente de escolas que estão adotando “treinamentos em mindfulness (atenção plena)”, num esforço de combater níveis crescentes de ansiedade, conflito social, e desvios da atenção nas crianças. Uma vez por semana, entre 10 e 12 semanas, os alunos da Toluca tiram uma folga do currículo normal para aprenderem técnicas retiradas da prática meditativa buddhista de mindfulness (vigilância, atenção plena), que visam promover mais consciência de si e do entorno. Segundo a educadora de mindfulness (atenção plena), Susan Kaiser, trazer essa prática às escolas tem a ver com “ensinar às crianças como ficarem num estado de atenção, em que elas possam perceber pensamentos, sensações físicas e emoções sem julgamento, com curiosidade, e um estado aberto de mente.”
Que uma prática tão pouco convencional – enraizada numa tradição religiosa – tenha chegado às escolas públicas pode surpreender muitas pessoas. Mas as escolas têm se voltado para mindfulness (atenção plena) por razões muito práticas que nada têm a ver com religião, e seus esforços vêm sendo apoiados por uma onda recente de descobertas científicas.
Steve Reidman começou a introduzir práticas de mindfulness (atenção plena) em Toluca Lake seis anos atrás. Reidman, um professor do quarto ano, estava tendo problemas para administrar a sala de aula – uma experiência ímpar após muitos anos de profissão. Conflitos no pátio se avolumavam a afetavam a habilidade de seus alunos de se aquietarem e de se concentrarem em sala de aula. Quando confidenciou seus problemas a Kaiser, uma amiga pessoal, ela ofereceu-se para visitar sua turma e ensinar-lhes mindfulness (atenção plena), uma técnica que ela ensinava às crianças como voluntária num clube local de meninas e meninos.
“Eu logo notei uma diferença”, diz Reidman. “Havia menos conflitos no pátio, menos ansiedade antes das provas – até o andar das crianças para a sala de aula era diferente. O desempenho dos alunos nas avaliações estaduais foi mais alto naquele ano, o que eu gostaria de atribuir ao meu ensino, mas acho que teve mais a ver com a respiração que fizeram logo antes do início das provas.”
A notícia da experiência positiva de Reidman espalhou-se a outras turmas da Escola e alavancou a carreira de Kaiser como fundadora e diretora de uma nova organização não lucrativa: InnerKids. Iniciada com fundos privados, sua missão é ensinar práticas de conscientização em atenção plena a estudantes de escolas públicas e privadas gratuitamente, ou a baixo custo. Nos últimos cinco anos, a organização já prestou serviços a centenas de escolas pelo país e cresceu a ponto de a demanda ultrapassar a oferta de Kaiser sozinha. Recentemente, ela se aposentou de uma prática bem-sucedida de advocacia para se dedicar inteiramente à InnerKids. Ela agora se ocupa de treinar outros professores. “Solicitações chegam de toda parte – Nova Iorque, Califórnia, e Centro-oeste”, diz Kaiser. “É incrível como isso pegou.”
Uma pesquisa realizada em 2004 sobre programas de atenção plena pelo Garrison Institute em Nova Iorque – uma instituição que estuda e promove a atenção plena e a meditação na educação – mostrou que muitas escolas estão adotando treinamentos em mindfulness (atenção plena) porque as técnicas são fáceis de aprender e podem ajudar as crianças a se tornarem “mais responsivas e menos reativas, mais focadas e menos distraídas, [e] mais calmas e menos estressadas”. Enquanto mindfulness (atenção plena) pode gerar benefícios internos às crianças, o relatório Garrison também descobriu que ela pode criar um ambiente mais propício à aprendizagem, onde as crianças tendem a prestar atenção.
InnerKids é um dos vários programas educativos em atenção plena que brotaram no país; outros incluem a Impact Foundation no Colorado e o Lineage Project na cidade de Nova Iorque, que ensina atenção plena a adolescentes encarcerados ou em situação de risco. Assim como nesses programas, o currículo de Kaiser foi inspirado pelo trabalho de Jon-Kabat-Zinn, o fundador do Stress Reduction Program na Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, EUA. Kabat-Zinn foi um dos primeiros cientistas a reconhecer que meditações baseadas em mindfulness (atenção plena) poderiam trazer benefícios de cura a pacientes adultos com dor crônica. Ele desenvolveu uma versão secular da prática buddhista, que denominou Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR), e conduziu estudos, demonstrando sua eficácia. Hoje, com mais de mil estudos publicados sobre isso em revistas acadêmicas, revisados por seus pares, sabe-se que o MBSR de Jon Kabat-Zinn reduz não apenas a dor crônica, como também a pressão alta, e níveis de colesterol. Além disso, algumas evidências sugerem que o MBSR pode ser de ajuda quando se lida com o estresse, podendo também aliviar a depressão, a ansiedade, o estresse pós-traumático, e desvios na alimentação.
Apesar do sucesso do MBSR com os adultos, poucas pesquisas têm sido feitas com as crianças, apesar de esse quadro estar mudando. No Canadá, na University of British Columbia a psicóloga Kimberly Schonert-Reichl e uma estudante de pós-graduação, Molly Stewart Lawlor, acabam de concluir um projeto piloto de mindfulness (atenção plena) nas escolas, com financiamento e treinamento de professores da Bright Lights Foundation (agora denominado Goldie Hawn Institute), uma instituição fundada pela atriz Goldie Hawn. Alunos do quarto ao sétimo ano em seis escolas públicas em Vancouver foram instruídos com técnicas de conscientização em atenção plena e habilidades de pensamento positivo, e depois testados com relação a mudanças de comportamento, competência social e emocional, desenvolvimento moral e qualidade do humor.
Respostas positivas ao programa foram quase imediatas. “Numa sala-de-aula, as crianças passaram de apresentarem os piores problemas de comportamento da escola – medidos pelo número de visitas à sala do diretor – a nenhum problema de comportamento, após duas a três semanas de instrução apenas, afirma Schonert-Reichl.
Seus resultados também mostraram que essas crianças estavam menos agressivas, opunham-se menos aos professores, e estavam mais atentas às aulas. Aqueles que receberam o treinamento em mindfulness (atenção plena) também relataram sentir mais emoções positivas e otimismo, e pareciam mais introspectivos do que as crianças que ficaram na lista de espera desse treinamento. “É importante realizar pesquisas como essas, pois as crianças precisam de alguma coisa que as ajudem a lidar com todas as pressões de uma escola”, afirma Schonert-Reichl. “Se não encontrarmos alguma ajuda, elas toparão com custos elevados na [área da] saúde mais adiante.”
Uma pesquisa similar está em curso nos Estados Unidos. Susan Smalley, uma geneticista e diretora do Mindful Awareness Research Center na Universidade da Califórnia, Los Angeles, descobriu que uma versão modificada do MBSR pode ajudar os adolescentes com ADHD (Hiperatividade e Déficit de Atenção) a reduzir sua ansiedade e aumentar sua habilidade de foco. Ela continua a trabalhar com adolescentes com ADHD, mas seus resultados animadores a instigam a perguntar se o MBSR poderia ajudar outros grupos de crianças – particularmente as da Pré-Escola, que precisam aprender a regular suas emoções e comportamentos para serem bem-sucedidas no ambiente escolar. Ela entrou em contato com Kaiser e juntas lançaram um programa com crianças de uma pré-escola dirigida pela UCLA. Elas adaptaram o currículo de Kaiser para ver se esse poderia ser ensinado a crianças tão novas; os resultados até agora indicam que sim. No momento, elas embarcaram numa série de estudos para o ano, que irão comparar um grupo de controle com crianças da pré-escola da UCLA, bem como com estudantes do segundo e quarto anos da Toluca Lake.
“Queremos descobrir se mindfulness (atenção plena) pode ajudar as crianças ao longo de sua vida, e se pode ajudar a inoculá-las contra problemas psicológicos mais tarde”, diz Smalley.
Patricia Jennings, uma pesquisadora do Garrison Institute, acha encorajador esse tipo de pesquisa, mas afirma que mais estudos são necessários para provar a eficácia dos programas de mindfulness. Em especial, ela espera que os estudos foquem em componentes específicos desses programas e no controle de outros fatores que possam estar operando nas crianças. Isso trará aos pesquisadores e praticantes um senso melhor de quais aspectos do programa apresentam os efeitos mais positivos nas crianças. “Se descobrirmos algo que seja efetivo na redução do estresse e que requeira muito pouco em termos de treinamento do professor ou de custos, tal como a consciência à respiração, seria bem mais fácil inserirmos isso no currículo escolar”, diz ela.
Apesar dessas preocupações, os professores têm encontrado pouca resistência na introdução de mindfulness a seus alunos, e geralmente relatam resultados positivos.
Apesar de alguma preocupação inicial ter sido expressa sobre a reação dos pais aos programas – os quais, afinal de contas, surgiram de tradições espirituais – praticantes e pesquisadores afirmam ter removido mindfulness (atenção plena) de todo o contexto religioso. “Nem mesmo gosto de usar a palavra ‘meditação’ quando falo sobre mindfulness (atenção plena), por causa da conotação religiosa [da palavra] para alguns”, diz Smalley. “Os programas que estudamos concernem à redução do estresse e ao aumento da consciência e são totalmente seculares.”
Mesmo assim, controvérsias em torno desses programas são esperadas à medida que esses se expandem, afirma Goldie Hawn. “Sempre haverá pessoas que enxergam nisso algo assustador, ou algum tipo de filosofia Oriental que eles não querem para seus filhos”, diz ela.
Entretanto, acrescenta, a maioria das pessoas acha convincentes os resultados de pesquisas, e ela acredita que a pesquisa irá, eventualmente, demonstrar que mindfulness (atenção plena) ajuda às crianças tanto quanto vem ajudando aos adultos. “Mindfulness (atenção plena) fornece às crianças uma ferramenta para compreenderem como seu cérebro funciona, para terem mais autocontrole”, afirma Hawn. “Se descobrirmos que também tem o potencial de reduzir o estresse, diminuir a depressão, e aumentar a saúde e a felicidade – como demonstra a pesquisa com adultos –, não seria egoísta negar isso às crianças?”
Na Escola Elementar Toluca Lake, os alunos criam seus próprios argumentos a favor de mindfulness. “Na semana passada, desenhei um coração para entregar a um(a) amigo(a) especial, mas meu irmão caçula o rasgou. Eu fiquei com muita raiva dele”, diz Emily, da turma de segundo ano do Daniel Murphy. Ela pausa um pouquinho antes de acrescentar: “Respirar me ajudou a acalmar a raiva. Eu compreendi, ‘Ei, eu posso fazer isso de novo’. Eu nunca teria pensado assim se não tivesse frequentado as aulas.”
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Este artigo foi publicado originalmente na revista online Greater Good, do Greater Good Science Center da UC, Berkeley, sendo aqui traduzido sob permissão por Rosana Lucas para o NUMI.