Meditação não é uma fuga do mundo

Enquanto muitos podem pensar que a meditação é uma fuga das responsabilidades e tensões do dia a dia, pelo contrário, a meditação é uma ferramenta para o entendimento da mente. Como é por meio da mente – e nesta palavra estão incluídas tanto as faculdades analíticas e racionais quanto nossa capacidade de sentir e se emocionar – que conhecemos o mundo, então, efetivamente, conhecer a mente é conhecer como conhecemos o mundo e, por extensão, como iremos nos comportar a partir de tal conhecimento. Estas duas etapas são igualmente importantes: o conhecer e a atitude que surge a partir do conhecimento. Conhecimento que não é transferido para a vida é estéril, e ações sem conhecimento são tolas.

O sofrimento do mundo pode ser compreendido pelo conhecimento que obtemos de nosso próprio sofrimento. Mergulhando realmente, com entendimento, em nosso conhecimento próprio, estaremos dando um passo definitivo para a compreensão mais ampla dos problemas e aflições porque passa o mundo, desde as aflições psicológicas e emocionais das pessoas ao nosso redor, até os problemas sociais, ecológicos e éticos em larga escala. Quanto mais conscientes, com sabedoria, a respeito de nós mesmos, mais entenderemos o mundo e as pessoas que nele habitam. Isso significa que o isolamento autocentrado é uma tolice. Nada no mundo vive isolado, por si mesmo. Cada um é parte de um todo maior e pensar-se separado é realmente não ter entendido como as coisas funcionam.

O entendimento fundamental sobre a inseparabilidade de si e dos outros faz com que a meditação bem realizada não seja um mergulho num poço isolado constituído pelo eu à exclusão de tudo o mais. Não é uma fuga, mas o buscar de uma inspiração sobre o entendimento do mundo a partir de nosso próprio mundo interior. Ao mesmo tempo em que nos abrimos para nós mesmos, aprendemos também a nos abrir para os outros e para as experiências da vida. Todas as experiências – agradáveis, desagradáveis, inspiradoras ou tensas -, todas são meios de aprendizagem sobre nós mesmos. A meditação ensinada originariamente pelo Buddha há 2600 anos é uma observação constante do movimento interno da mentecoração e do fluir de nossas experiências, por meio daquilo que se chama de ‘vigilância’, um modo não reativo, aberto e equânime de estar presente, e que foi a fonte de inspiração para o que tem sido recentemente muito conhecido no Ocidente sob o nome de ‘mindfulness’ (vigilância, plena atenção, consciência plena).

Vigilância significa que não apenas observamos a vida a esmo e sem foco. Não se trata tampouco aqui de estar atento a qualquer coisa de modo superficial ou conforme o entendimento comum que temos das coisas. Vigilância (mindfulness) implica atenção de qualidade, focada nas características certas e com inteligência. Significa igualmente estar consciente do contexto em que tal atenção opera. Ao usar a vigilância podemos meditar todo o dia, pois nossas manhãs, tardes e noites, aquilo que fazemos, falamos e pensamos, tudo enfim, pode ser contemplado com uma atitude consciente. Se podemos aprender com tudo o que se passa interna ou externamente, então estar vigilante significa ter a atitude correta para aprender aquilo que nos está sendo ensinado. Todas as coisas e situações se tornam professores, e desenvolver a vigilância é abrir os ouvidos para ouvi-los.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

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