Meditar dá um pouco de trabalho. Você tem que encontrar um espaço em sua agenda cheia, talvez levantar da cama um pouco mais cedo ou esperar que todos de sua casa já estejam dormindo, precisa aprender a se sentar, ser paciente e sentir algumas dores.
Uma das concepções que temos sobre meditação é de que se trata de uma técnica, um conjunto de instrução gradual, por vezes instruções bem simples, outras vezes bem mais complexas, mas de qualquer modo, é algo que você aprende como qualquer outra habilidade. Aprendida a técnica, você a tem, você a leva para casa e a aplica.
Uma das coisas que eu mais ponho ênfase é tirar essa ideia da meditação enquanto técnica. Com esse pensamento você acaba se limitando muito, você acaba criando uma série de pré-conceitos que em curto, médio e longo prazo acabam prejudicando a sua relação com a meditação.
Meditação tem a ver com a nossa relação com nós mesmos e com o mundo. Frequentemente as pessoas começam a meditar com certas ideias e expectativas. Algo do tipo: “Gostaria de me conhecer melhor”, “Gostaria de descobrir a minha própria mente”, “Gostaria de relaxar, de acalmar”, “Gostaria de ver as coisas de uma forma diferente”. Há várias expectativas que as pessoas formam em termos de meditação e do que realmente precisará fazer para “meditar”. Todas as expectativas estão ligadas de alguma forma com a nossa vida, com o que pensamos do mundo e nosso lugar nele. Sempre se trata de uma relação entre nós mesmos e uma relação com o outro. E esse outro é o mundo, as outras pessoas, situações, lugares, tudo isso que é um grande mistério para nós.
Tentamos compreender a vida enquanto nascimento, e isso é um mistério. Muitos falam de o “milagre” do nascimento. O que é esse nascimento? Como a vida surge? Temos, então, algo que talvez seja até um mistério maior, a morte. E a morte suscita também uma série de questões para nós: o que acontece, como é o processo da morte, viverei depois da morte? Woody Allen costumava dizer: “Eu não tenho problema nenhum com a morte, só não quero estar presente quando ela chegar”. Temos uma relação ambígua com ela. E uma vez que nenhum de nós já vivenciou a própria morte, ou pelo menos se lembra de tê-la vivenciado alguma vez, então isso se torna um mistério bem grande.
E entre estes dois mistérios, o nascimento e a morte, acontece uma coisa que chamamos de ‘vida’, de um lado algo bastante fascinante, de outro lado algo bastante difícil. Como acessamos essa vida que temos? Todos temos uma vida semelhante, apesar das nossas várias diferenças. O que fazemos para entrar em contato com aquilo de mais fundamental em nossa natureza? Os seres humanos têm uma multiplicidade de diferenças, mas ainda assim temos coisas muito básicas. Como nós lidamos com esta vida? Essa é uma primeira pergunta na verdadeira meditação. Meditar não é aplicação de técnicas. É preciso apagar essa concepção. Trata-se de modos de você ver esta vida. Presente, real, aqui e agora. A verdadeira meditação é sobre como você se relaciona com esse processo que chamamos de ‘vida’. Não é uma técnica que você pratica durante um tempo, mas é um modo de olhar que você aplica na vida diária. E não apenas na vida ‘lá fora’, mas nos seus fundamentos.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.