Com frequência as pessoas se surpreendem ao descobrirem que é difícil meditar. Por fora parece uma coisa tão simples, simplesmente sentar-se numa pequena almofada e observar sua respiração. Qual seria a dificuldade disso? A dificuldade reside no fato de que o ser inteiro está totalmente despreparado. Nossa mente, sentidos e sentimentos são usados para negociar no mercado, a saber, o mundo em que vivemos. Mas a meditação não pode ser feita no mercado. É impossível. Não há o que comprar, negociar ou com o que fazer acordos na meditação, mas a atitude da maioria das pessoas permanece a mesma de sempre e isso simplesmente não funciona.
Precisamos de paciência conosco mesmo. Leva tempo até mudar para o ponto em que a meditação é de fato um estado mental, disponível a qualquer hora porque o mercado já não é mais importante. Mercado não significa apenas ir às compras. Significa tudo o que é feito no mundo: todas as conexões, ideias, esperanças e memórias, todas as rejeições e resistências, todas as nossas reações.
Na meditação pode haver vislumbres momentâneos de notarmos que a concentração é factível, mas é difícil de ser sustentada. Ela constantemente escorrega outra vez e a mente volta direto para o lugar de onde veio; a fim de reagir contra isso, é preciso ter determinação para transformar sua vida numa vida meditativa; isso não significa que se tem que meditar desde a manhã até a noite. Não conheço ninguém que o faça. E não significa que não possamos cumprir nossos deveres e obrigações, porque são necessários e primários enquanto os tivermos. Mas significa que nós nos observamos atentamente em todas as nossas ações e reações para termos certeza de que tudo aconteça à luz da verdade. Isto se aplica ao menor detalhe, tal como nossa comida, o que ouvimos ou do que falamos. Só então poderá a mente estar preparada com uma qualidade meditativa quando nos sentarmos na almofada. Significa que não importa onde nos encontremos, permaneceremos introspectivos. Isso não quer dizer que não possamos falar com os outros, mas que observamos o conteúdo da conversa.
Isso não é fácil de se fazer e a mente sempre dá uma escapulida. Mas podemos estar conscientes da escapulida. Se não estivermos conscientes nem mesmo de que nos desviamos da consciência plena e da vigilância interior, ainda não estamos no caminho meditativo…
Existe esta diferença entre aquele que sabe e aquele que pratica. Aquele que sabe pode compreender as palavras e conceitos, mas aquele que pratica sabe apenas uma coisa, a saber, tornar-se essa verdade. Palavras são meios utilitários não apenas para a comunicação, mas também para solidificar ideias. É por isto que as palavras nunca podem revelar a verdade, apenas as experiências pessoais podem. Obtemos nossas experiências percebendo o que está acontecendo dentro e por que é do jeito que é. Isto significa que combinamos vigilância com investigação sobre por que estamos pensando, dizendo e reagindo da forma que fazemos. A menos que usemos nossa mente desta forma, a meditação estará numa situação de agora-ligado, agora-desligado e permanecerá difícil. Quando a meditação não traz alegria, a maioria das pessoas fica bastante feliz em se esquecer dela.
Para termos uma mente meditativa, precisamos desenvolver algumas importantes qualidades interiores. Já temos as sementes dentro de nós, de outra forma não poderíamos cultivá-las. Se quisermos flores em nosso jardim, mas não houver sementes, poderemos irrigar e fertilizar e ainda assim nada irá brotar. A irrigação e a fertilização da mente é feita na meditação. O cuidado com as ervas daninhas deve ser feito na vida cotidiana. Parece que as ervas daninhas sempre crescem melhor do que as flores em qualquer jardim. É preciso bastante força para arrancar estas ervas daninhas, mas não é tão difícil cortá-las. Conforme vão sendo cortadas seguidas vezes, por fim tornam-se débeis e arrancá-las fica fácil. Cortar e arrancar ervas daninhas exige introspecção suficiente dentro de nós mesmos para sabermos o que é erva daninha e o que é flor. Temos que ter muita certeza, pois não queremos arrancar todas as flores e deixar todas as ervas daninhas. Um jardim cheio de ervas daninhas não é lá muito ornamental.
Os corações e as mentes das pessoas em geral contêm quantidades iguais de flores e ervas daninhas. Nascemos com as três raízes do mal: avidez, ódio e ilusão, e as três raízes do bem: generosidade, bondade amorosa e sabedoria. Não faz sentido tentar se livrar daquelas três raízes que são as geradoras de todos os problemas, todas as nossas experiências e reações desagradáveis?
Se desejarmos eliminar estas três raízes, temos que olhar para seus afloramentos. Elas são raízes debaixo da superfície, mas obviamente uma raiz brota e se mostra sobre a superfície. Podemos ver isto dentro de nós. Causadas pela ilusão, manifestamos avidez e ódio. Existem diferentes facetas de avidez e ódio, e a mais simples e mais comum é: “eu gosto”, “eu quero”, “eu não gosto” e “eu não quero”. A maioria acha que tais reações são perfeitamente justificáveis, mas ainda assim será avidez e ódio. Nossas raízes brotaram em tantas formas diferentes que possuímos toda espécie de ervas daninhas crescendo. Se olharmos num jardim encontraremos possivelmente trinta ou quarenta tipos diferentes de ervas daninhas. Podemos ter este tanto ou mais de pensamentos e emoções nocivos. Têm aparência e força diferentes, mas estão vindo todos das mesmas raízes. Como ainda não podemos chegar às raízes, temos que lidar com o que está acima da superfície. Quando cultivamos as raízes boas, elas se tornam tão poderosas e fortes que as ervas daninhas não mais encontram alimento suficiente. Enquanto dermos espaço para ervas daninhas em nosso jardim, tiramos os nutrientes das belas plantas, no lugar de cultivá-las cada vez mais. Isto acontece na forma de um desenvolvimento na vida cotidiana, que então torna possível meditar como um resultado natural de nosso estado mental.
A esta altura estamos tentando mudar nossa mente de comum para meditativa, o que é difícil caso ainda não se tenha praticado muito. Possuímos apenas uma mente e a carregamos por aí conosco em cada atividade e na meditação também. Se tivermos a leve suspeita de que a meditação pode nos trazer paz e felicidade, então precisamos ter certeza de que temos uma mente meditativa já quando nos sentarmos. Mudá-la de ocupada para calma naquele momento é muito difícil.
Dois aspectos de importância são a vigilância e a tranquilização dos sentidos. Vigilância interna pode às vezes ser substituída por vigilância externa, pois sob certas circunstâncias esta é uma parte essencial da prática. O mundo se precipita sobre nós, o que não podemos negar. Vigilância externa também significa ver uma árvore, por exemplo, de uma forma completamente diferente. Não com os pensamentos usuais de “é bonita” ou “gostaria de uma dessas no meu jardim”, mas, em vez disso, percebendo que há folhas vivas e mortas, que há plantas que estão crescendo, outras que estão amadurecendo e outras que estão morrendo. Podemos testemunhar o crescimento, nascimento e decadência em todo nosso redor. Podemos compreender a ânsia muito claramente observando as formigas, os pernilongos, os cães. Não precisamos olhar para eles como incômodos, e sim como professores. Formigas, pernilongos e cães que ladram são o tipo de professor que não nos deixa em paz até que tenhamos aprendido a lição por completo. Quando enxergamos tudo à luz do nascimento, decadência, morte, avidez, ódio e ilusão, estamos olhando num espelho de toda a vida ao nosso redor…
Outra faceta que acompanha a vigilância é a clara compreensão. Vigilância é apenas saber, sem qualquer faculdade discriminatória. Vigilância não faz avaliação de juízo, apenas presta total atenção. A clara compreensão possui quatro aspectos. Primeiro: “Qual é o meu propósito ao pensar, falar ou fazer?” Pensamento, fala e ação são nossas três portas. Segundo: “Estou usando os meios mais hábeis para meu propósito?” Isso demanda sabedoria e discriminação….
Se adicionarmos a clara compreensão à nossa vigilância e verificarmos nosso propósito e meios hábeis eliminaremos muita mágoa e pesar. Desenvolveremos uma conscientização que transformará cada dia, cada momento, numa aventura. A maioria das pessoas sente-se atolada e sobrecarregada. Ou tem muita coisa para fazer ou não tem nada para fazer; não tem dinheiro suficiente para fazer o que gostaria ou move-se freneticamente tentando ocupar-se com algo. Todo mundo quer escapar das condições insatisfatórias, mas o mecanismo que cada um escolhe não fornece verdadeira alegria interior. Contudo, com a vigilância e clara compreensão, apenas observar uma árvore já é fascinante. Traz uma nova dimensão à nossa vida, uma vivacidade da mente, habilitando-nos a apreender a totalidade, em vez das limitações de nossa família, emprego, esperanças e sonhos. Desta forma podemos expandir, pois estamos fascinados com o que vemos ao redor e dentro de nós, e queremos explorar mais além. Sem “minha” mente, “meu” corpo, “minha” árvore, mas somente fenômenos ao nosso redor, para nos fornecer a sala de aula mais fascinante e desafiadora que alguém jamais encontrou. Nosso interesse na sala de aula aumenta ao passo que a vigilância aumenta.
Para desenvolver uma mente meditativa, também precisamos acalmar nossos sentidos. Não precisamos negar nossos sentidos, isto seria bobagem, mas enxergá-los pelo que são… Dificilmente prestamos atenção com o que eles fazem conosco quando nos puxam de uma visão interessante para um belo som, e de volta à visão, ao pensamento, à ideia. Sem paz! Nosso desafio constante é segurar algum prazer do momento.
Um contato sensorial tem que ser muito fugaz, pois caso contrário se tornará um grande sofrimento. Digamos que nos ofereçam uma refeição muito agradável com sabores extremamente bons. Então dizemos ao nosso anfitrião: “Que refeição agradável esta, gostei muito”. O anfitrião responde: “Eu tenho muita comida aqui, por favor fique por perto e coma por mais duas ou três horas”. Se o fizéssemos, sentiríamos mal-estar não apenas no corpo, mas também enfastiados em nossa mente. Uma refeição pode demorar vinte ou no máximo trinta minutos. Cada contato com o paladar dura apenas um segundo, daí temos que mastigar e engolir. Se fôssemos mantê-lo na boca por muito tempo, se tornaria muito desagradável.
Talvez sintamos muito calor e vamos tomar uma ducha fria. Dizemos a nosso amigo que espera do lado de fora: “Agora me sinto melhor, essa água fria está muito gostosa”. Nosso amigo diz: “Temos bastante água fria, pode ficar na ducha pelas próximas cinco a seis horas”. Nada além de absoluto sofrimento seria o resultado. Conseguimos aproveitar uma ducha fria por dez ou vinte minutos no máximo.
Se observarmos continuamente nossos sentidos, isto se tornará um hábito, e não será mais difícil. A vida será muito mais calma. O mundo tal como o conhecemos consiste em muita proliferação. Em todo lugar estão diferentes cores, formas, seres e desenvolvimento da natureza. Cada espécie de árvore tem centenas de subespécies. A natureza se prolifera. Todos nos parecemos diferentes. Se não guardarmos nossos sentidos, esta proliferação no mundo irá nos manter atraídos, vida após vida. Há muito o que se ver, fazer, conhecer e reagir. Já que isso tudo não tem fim devemos também parar e investigar o nosso interior.
A mente meditativa é alcançada através da vigilância, clara compreensão e tranquilização dos sentidos. Estes três aspectos da prática precisam ser aplicados na vida diária. Paz e harmonia serão o resultado, e nossa meditação florescerá.
© Ayya Khema
trad. Emerson Zamprogno para o Centro Buddhista Nalanda, e reproduzida aqui sob permissão.