Para muitas pessoas o tédio é um problema real. Esse sentimento tão abrangente parece penetrar nos recônditos da mente tornando os pensamentos morosos, quase parando, enquanto que afeta o corpo enchendo-o de preguiça e falta de energia. Pode o desenvolvimento de mindfulness fazer algo pela vida entediada que tantos levam? Na definição de Jon Kabat-Zinn: “Mindfulness significa prestar atenção de um modo particular: com propósito, no momento presente e sem julgamentos. Este tipo de atenção nutre uma conscientização maior, clareza e aceitação da realidade do momento presente”.
Parece-me que a chave para relacionarmos mindfulness e tédio está no elemento de clareza mencionado acima. No tédio há um obscurecimento da visão mental, nada é interessante porque não conseguimos ver com clareza o que poderia haver de interessante nas situações rotineiras de nossa existência. Viktor Frankl, o criador da Logoterapia que passou muito tempo em um campo de concentração, sabia bem o que era o tédio de uma situação repetitiva na qual se acrescentava ainda sofrimento e humilhação. Frankl disse que: “O vácuo existencial se manifesta como um estado de tédio”. O tédio para ele era apenas uma ponta de um iceberg muito maior, a montanha gelada do vácuo existencial.
E vácuo existencial é exatamente o que as palavras dizem, nossa existência nos parece vazia, sem sentido. Não vemos porque fazer o que deveríamos fazer, não vemos sentido em nos movimentar ou nos interessar por coisa alguma. O indivíduo entediado olha para sua vida e vê apenas aquilo que está diante de seus olhos. Para ele, aquilo que vê já é algo conhecido, rotineiro, não apresentando absolutamente nada de novo que pudesse aguçar sua curiosidade em saber mais. Ele acha que já sabe!
O treinamento em mindfulness revelaria a ele que há muito mais naquilo que ele vê, ouve e sente. Revelaria que ele estava enganado em sua percepção da vida, que seus sentidos estavam embotados, por assim dizer, adormecidos. Um dos grandes méritos de mindfulness é falar para o indivíduo: “Ei, abra os olhos, perceba quantas nuances mais existem naquilo que você tem diante de seus olhos!” As tonalidades das cores, a riqueza dos sons, as variadas expressões das faces e movimentos ao seu redor.
Há um provérbio na Ásia que diz que se uma atividade está maçante por dois minutos, então faça-a por quatro minutos. Se ainda continuar maçante, então acrescente oito minutos. E mais dezesseis e assim por diante. Chegará uma hora em que não mais será maçante de modo algum.
Agora, pegue um escultor. Ele vê um pedra. Mas ele não vê na pedra apenas uma pedra. Se ele visse ali apenas uma pedra ele ficaria entediado em permanecer diante dela, e logo passaria para alguma coisa diferente. Sua alma de artista foi treinada a perceber detalhes. Os ângulos naturais, a proporção, os centros de equilíbrio da pedra. É possível que ele tocasse a pedra, levantado-a caso fosse possível, avaliado sua textura e resistência. Totalmente presente e atento à experiência diante de si, a pedra absolutamente não poderia ser um objeto de tédio, pelo contrário, uma curiosidade crescente dele se apoderaria, ansioso por saber como poderia revelar o que nela estava escondido.
Mindfulness é se sentir curioso pelas coisas. É não aceitar as crenças simples que temos a respeito de nossas experiências, mas desafiar nossos pressupostos, honrar o momento presente por meio de nossa dedicada atenção.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.