Nossa cultura, de um modo geral, é muito pouco introspectiva. Desde crianças somos educados com a ideia de que todo o nosso sentido de identidade e de valor depende de nossa realização exterior. Isso torna nossa sociedade dirigida à ação, à atividade, à realização externa. As pessoas se acostumam a pensar que são tais realizações externas que dão a medida do seu valor, contribuindo para que mais e mais se movam na superfície da vida lá fora. Um dos efeitos curiosos dessa perspectiva é que até mesmo atividades que normalmente seriam introspectivas acabam por assumir uma manifestação extrovertida. A introspecção pode ser muito pouco estimulada até mesmo em centros de meditação, ou ainda em centros buddhistas, os quais passam a valorizar as roupas, as cores, as construções, os aparatos externos, as diversões e as realizações mais superficiais. Isso porque quando chegamos a um centro de prática acabamos naturalmente trazendo toda a nossa própria cultura.
É claro que introversão e extroversão são também características de personalidade de diferentes pessoas. Personalidades introvertidas numa sociedade extrovertida e voltada para a ação acabam sendo tomadas como um pouco estranhas, deprimidas ou isolacionistas. E aquelas pessoas introvertidas acabam também se sentindo como tendo alguma coisa errada com elas. “Eu deveria sair mais à noite”, “eu deveria ter mais ambições”, “eu deveria realizar e produzir mais”, “olha meu currículo como é pequeno”. Não é só uma questão do que os outros pensam de você, mas também do que você mesmo pensa de si. Então existe esta dupla inadequação onde você sofre pressão da crítica externa e também você mesmo acaba assumindo e assimilando essas noções. Se tais pessoas vivessem numa sociedade introspectiva isso seria completamente diferente. Por isso é tão interessante passar um tempo fora de seu país de origem. Não é só a comida e a língua que são diferentes. Com a mudança de cultura, sua própria autoimagem pode sofrer profundas modificações baseadas nos novos parâmetros aos quais você se expõe.
Qual a importância da introspecção? Isso é importante de percebermos, principalmente para nós que vivemos numa sociedade voltada para fora, voltada para a ação. Qual é a importância da introspecção, da contemplação, do olhar para dentro? Uma atitude mais contemplativa em relação à vida nos leva imediatamente para uma reavaliação de onde e como estamos, nos leva para o presente, para o ponto onde passado e futuro se tocam. Uma das características imediatas da introspecção é que só através de uma atitude introspectiva podemos realmente nos conectar com a verdade. Que verdade? Não aquela verdade absoluta, inatingível, mas, primeiramente, a verdade de nós mesmos. A menos que sejamos capazes de olhar para nós mesmos, olhar para este corpo, olhar para esta mente, olhar para sentimentos e sensações, realmente não conheceremos nada de nós mesmos.
Assim, o primeiro valor da introspecção é o de estarmos atentos. Criamos espaços e oportunidades para olhar para nós mesmos. Olhar para dentro significa também olhar para nossas motivações. Aquilo que faz com que iniciemos uma ação. Quais são as motivações por trás dos nossos pensamentos, das nossas palavras, das nossas ações?
Uma segunda importância da introspecção é dela nos levar para uma atenção à verdade das coisas. Por coisas se quer dizer aqui as situações, os objetos, as circunstâncias, o espaço ao redor. Como nos localizamos, com nos colocamos nos diferentes espaços? Como nos apresentamos ou nos introduzimos neles? O modo como chegamos nos espaços novos e antigos revela muito do que achamos que somos, do que achamos que é a nossa vida. Revela muito o quão conectados estamos com a vida ou o quão desconectados com a vida como um todo. Essa consciência de nossa presença física, consciência do nosso papel nessa rede espacial é importante. É uma questão de localização do corpo, uma questão de localização espacial. Isso também é algo raramente falado em nossa cultura. Qual é o nosso posicionamento? Como posicionamos as várias partes de nosso corpo? Como andamos, como sentamos, qual é a atitude dentro dos espaços que entramos?
Um terceiro ponto é que a introspecção leva a uma atenção à verdade de outras vidas. Nós não vivemos sozinhos, apesar de muitas pessoas acharem que vivem. E quando as pessoas começam a achar que elas vivem sozinhas, então todas as suas ações, todas as suas decisões, passam a ser baseadas no que elas sentem, no que elas querem sentir para elas mesmas. A vida passa a ser levada pelos sabores passageiros dos sentimentos pessoais.
Um mestre tailandês tem uma frase bastante interessante. Ele diz que o pensamento livre e correto é focado na felicidade do todo ou na felicidade de todos, e não na felicidade somente de mim. Podemos ter estas duas atitudes. Podemos agir no mundo com o pensamento “do que me faz feliz”, “o que eu quero para mim”, ou podemos ter uma ação no mundo e um posicionamento no mundo baseado no que é o melhor para todos, incluindo eu mesmo. Isso causa uma mudança profunda de perspectiva porque você começa a prestar mais atenção nos vários elos de sua rede social da qual você é um dos elos. Você não é um elemento isolado, mas você passa a integrar, ou se conscientizar, de que pertence a uma rede de muitos contatos, animados e inanimados que em sua contínua interação dão forma à sua existência.
.: Ricardo Sasaki é psicólogo clínico, diretor do Centro Nalanda e um dos professores do NUMI.