Há vários tipos de meditação. Essa é uma palavra que é usada para inúmeras técnicas. No sentido em que a empregamos, meditar é ter um conhecimento que você precisa desenvolver. Conhecimento do quê? Do terreno. Você precisa entender como essa mente funciona consigo mesma, como ela funciona em relação ao mundo e o que é esse mundo com o qual ela interage. No Oriente isso é chamado de perspectiva correta.
Perspectiva significa um olhar. Como olhar para nosso terreno interior. Não se trata de ter um conhecimento teórico e distante. Um conhecimento geral de psicologia não resolve o problema de como lidar com meu terreno. É preciso examinar meu terreno, e só eu poderei fazer isso. Olhar e examinar implica em conhecer o que está lá presente. A partir desse reconhecimento existe a limpeza ou a purificação. Isso implica em limpar tudo o que é extra, o que é condicionado por circunstâncias, condicionamentos culturais, crenças e opiniões. Só então o plantio e o cuidado com a semente darão frutos. Não adianta plantar as sementes, ir embora e aparecer um mês depois. Não é assim que funciona. Você tem que cuidar. Existe um processo de zelo e cuidado que ocorre. Guarde estas quatro fases porque isso se aplica a tudo: reconhecimento, limpeza ou purificação, plantio, cuidado.
Nas palavras do Bhikkhu Bodhi: “A perspectiva correta é a precursora de todo o caminho, o guia para todos os outros fatores. Habilita-nos a compreender nosso ponto de partida, nosso destino e os sucessivos pontos de referência de progresso na prática. Tentar se engajar na prática sem o fundamento da perspectiva correta é arriscar se perder na futilidade de um movimento sem direção. Agir dessa forma pode ser comparado a querer dirigir em algum lugar sem consultar o mapa rodoviário nem escutar os conselhos de um motorista experiente. Alguém poderia entrar no carro e começar a dirigir mas, em lugar de se aproximar mais de seu destino, é provável que se distancie cada vez mais dele. Para chegar ao local desejado, a pessoa deve ter alguma ideia da direção e das estradas que conduzem a isso. Considerações análogas aplicam-se à prática do caminho que se dá sob uma estrutura de compreensão estabelecida pela perspectiva correta. A importância da perspectiva correta pode ser medida pelo fato de que nossas noções sobre os assuntos cruciais da realidade e valores têm um significado que vai além de meras convicções teóricas. Elas governam nossas atitudes, nossas ações, toda a nossa orientação em nossa existência. Nossas noções podem não estar claramente formuladas em nossa mente; podemos ter apenas uma nebulosa concepção conceitual de nossas convicções. Mas, formuladas ou não, expressas ou mantidas em silêncio, estas noções têm uma influência de longo alcance. Elas estruturam nossas percepções, ordenam nossos valores, se cristalizam em nossa estrutura conceitual pela qual interpretamos o significado de estarmos no mundo”.
Meditação assim não é apenas uma prática de técnicas, uma mera sequência de exercícios feitos sem compreensão. Por outro lado, compreensão não é um conjunto de crenças e doutrinas que devem ser aceitas. Não precisamos de mais crenças. O que precisamos é de uma abordagem que nos permita crescer em entendimento à medida que praticamos. Saber como investigar, discernir, testar nossas referências, preconceitos, noções e atitudes. A perspectiva correta parte da apreensão do presente tal qual ele se apresenta. A atitude de abertura e não julgamento são as ferramentas iniciais para o reconhecimento do terreno. Aí então, a limpeza deve ser empreendida com ferramentas adequadas, seguida pelo plantio das sementes que queremos germinar dentro de nós. Depois disso, há que se cuidar.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.