Pare de criar problemas

 

Depois de se perguntar “O que é viver?” e “Como podemos viver realmente?”, outra boa pergunta é “Como podemos parar de criar problemas”? Essa é uma pergunta que pode parecer estranha porque crescemos pensando que a culpa está no outro. É como na famosa frase de Sartre: “O inferno são os outros”. O outro é o culpado. São as situações, as circunstâncias, o sistema político, o presidente, o diretor da instituição, o marido, a esposa, o monte de filhos, os pais que são o problema.

Seguimos colocando os problemas lá fora, nas pessoas, nas coisas, nas circunstâncias, no clima: “Está muito frio”, “está muito quente”… e é por isso que estou infeliz. Mas será que é realmente assim? Será que os outros causam tanto problema para nós? Será que todo este mundo entrou em um complô contra o João e contra a Maria?

Ao invés de olhar apenas para fora, podemos começar uma autorreflexão que pergunta: “Como podemos viver criando menos problemas?”

Tomemos, por exemplo, a ganância. Geralmente não vemos a ganância como um problema. Não vemos a nós mesmos como um problema e, portanto, não vemos nossos desejos e necessidades como um problema. Há tantas coisas bonitas e interessantes para comprar. O problema é que não tenho dinheiro. Não tenho dinheiro pois ganho mal, há o desemprego, os outros são mesquinhos, o mundo é mau. O problema está no outro. Os economistas não criam uma maneira de eu ganhar mais dinheiro, o que devo fazer para ganhar muito dinheiro? A culpa é do modelo político, do sistema econômico, da concorrência … por causa deles não consigo comprar e adquirir as coisas que o shopping center me oferece e, claro, se o shopping center oferece é porque deve ser comprado e tenho direito a tudo aquilo.

O shopping center é visto como um amigo. Oferece variedade, beleza e acessibilidade … para todos. Vidros são colocados na vitrine, tudo transparente para que você olhe, se deleite com o pensamento de possuir tudo aquilo que está lá, para você. Boas lojas têm poucas paredes, tudo deve ser bem transparente. E ficamos enamorados, e os donos das lojas ficam satisfeitos por terem despertado o interesse do público. Como as mocinhas do Instagram mostrando suas roupas novas em posições curvilíneas, angulares e sensuais, agradecendo as curtidas. É o mundo em que estimular a fome é visto como algo bom e inocente. Não compreendemos que muito de nossa fome, de nossa insatisfação e sofrimento, vem da ganância. Temos um corpo e uma mente que são insaciáveis e que muito raramente ficam contentes por um período de tempo razoável. E por todo o lado haverá quem se delicie em ganhar algo estimulando essa fome.

A falta de consciência cria problemas para nós, nos transforma em vendedores de sensações, estimuladores do consumo, alimentadores de frustrações para todos aqueles que não terão condições de curtir e adquirir o ‘produto’. Ela revela para o mundo nosso lado fraco e carente, desejoso de afirmação e elogio externo.

A falta de consciência também cria problemas para nossos ‘consumidores’. Estimula sua ganância, alimenta sua frustração, derruba sua autoestima. Vale quem compra, quem tem, quem usa, quem mostra.

Uma prática de conscientização que não seja capaz de questionar o que fazemos e como vivemos, é uma prática vazia, superficial. É somente um show.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

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