Uma das características mais marcantes de mindfulness é sua natureza experiencial. Em 2003, John Kabat-Zinn apontava isso dizendo: “Mindfulness somente pode ser entendida a partir de dentro. Ela não é mais uma técnica cognitiva-comportamental a ser apresentada num paradigma de modificação do comportamento, mas um modo de ser e um modo de ver que têm profundas implicações no entendimento de nossas próprias mentes e corpos, e no viver a vida como se ela realmente fosse importante”.
Fato é que mindfulness é uma disciplina interior e como todas a atividades dessa natureza ela é impermeável a um verdadeiro entendimento desacompanhado da vivência. É possível fazer experimentos, testes, descrições, e mesmo chegar a excelentes e úteis conclusões, mas isso não causará uma mudança no pesquisador, a menos que ele próprio se torne participante de seu experimento.
O pesquisador verá resultados positivos naqueles que participam dos programas baseados em mindfulness e poderá escrever muitos artigos a respeito. Ele mesmo porém não sentirá em si a diminuição do estresse, o equilíbrio da vida, o melhor lidar com a doença, o sofrimento, a insatisfação. Como Thich Nhat Hanh escreveu no prefácio de um dos livros de Kabat-Zinn: “Meditação é algo que lida com a vida diária”.
O modo “mindfulness” de atingir uma transformação da vida diária combina o desenvolvimento de uma clareza com uma atitude de abertura amorosa diante da realidade experienciada.
A clareza é desenvolvida por meio de uma consciência momento a momento da realidade presente, com exercícios que treinam uma atitude e uma lucidez de amplo espectro. A realidade presente é concebida em vários níveis e não apenas em sua dimensão corporal. Almeja-se uma clareza a nível sensorial, mas também cognitivo, afetivo, contextual.
Abertura amorosa diante da realidade, significa não nos fecharmos à realidade, nem escolhermos aquilo que queremos ver, dividindo assim o mundo em coisas que amamos e coisas que odiamos. A atitude de abertura não divide afetivamente o mundo entre eu e outro, o meu e do outro, o dentro e o fora. Divisão cria estresse, descontinuidade, sentimentos de separação. Muitos vivem toda sua vida com medo, sempre alertas para perigos imaginários, sempre prontos para se irritar e lutar.
As duas atitudes de clareza e abertura amorosa se entrelaçam na verdade. Quanto mais precisos cognitiva, sensorial e afetivamente, mais veremos as coisas como elas são, bem como a futilidade de separar o mundo em tantas divisões, categorias e partidos. Quanto mais abertos corajosamente para o mundo, menos obscurecimentos teremos em nossa mente ocasionados pela raiva e pelo espírito divisor.
Ambas as atitudes são para serem praticadas diariamente e não apenas entendidas com a razão. É como a relação com o mar. Podemos estudá-lo de muitas formas, mas nada substitui um mergulho.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.