O sentimento de escravidão tem muitos níveis. O que não é escravidão para uns, para outros pode ser, pois depende muito das experiências que a pessoa já teve e que ela usa para comparar com seu estado atual. Num primeiro momento, o que você percebe como sendo perturbador, sofrimento ou doloroso, é uma coisa, mas à medida que você avança, por exemplo, num caminho de maior tranquilidade, você pode começar a perceber que certas coisas que antes você não achava perturbadoras, agora você passa a achar. O mesmo ocorre com o que chamamos de tranquilidade. Ela tem muitos níveis.
Você vai, por exemplo, passar as férias numa fazenda mais ou menos isolada. Só tem cavalos, piscina e passarinhos. Quando você volta para a cidade, você sentirá que talvez tenham algumas coisas que lhe perturbem em sua vida atual. Isso porque você teve uma experiência (suas férias na fazenda) que agora você pode usar como comparação. Com a meditação é mais ou menos a mesma coisa… só que mais profundo e interno. Existem graus de tranquilidade ou de centramento que você alcança à medida que sua prática se torna regular. Certas coisas que, normalmente, à maioria das pessoas não causa tanta perturbação, para você pode causar algum atrito, ou mesmo ferir os sentidos. Música muito alta, por exemplo, pode começar a ferir um pouco os ouvidos. Mas pode ser assim também com a poluição visual, o excesso de pensamentos ou a aspereza das relações.
Dependendo de seu estado ou desenvolvimento, o nível de percepção dos apegos também modifica. O importante aqui é notar que o apego é aquela atitude que temos em relação a coisas, pessoas e situações e que causa algum tipo de perturbação. A partir disso é possível você ter uma relação com coisas, pessoas e situações sem ter esse estresse relacionado. Esse é um dos objetivos do caminho meditativo. Você poder viver a sua vida, mas sem essa relação de estresse.
Para que isso possa ocorrer temos que olhar melhor o como nós nos agarramos às coisas, pessoas e situações. Tornamo-nos escravos dos nossos sentidos? Eles nos dirigem, são nossos donos? Dão-nos ordens? Outra ideia associada é o vício. Os vários vícios que possamos ter mostra muito bem o que é o desejo sedento atuando. Aquelas coisas incontroláveis que você tem de fazer uma vez por dia ou várias vezes por dia. Aquelas coisas que *precisam* ser feitas. Aquelas coisas que trazem sofrimento quando da abstinência. Um vício mostra muito bem o papel escravizador do desejo sedento.
Quando você começar a acumular experiências de tranquilidade por meio da experiência de mindfulness e de meditação, você ficará mais sensível ao apego e ao estresse que ele causa. Mas você também começará a ter um fundamento interior que gradualmente será mais forte que os hábitos do vício. Tranquilidade tem muitos níveis e pode se tornar uma de suas melhores amigas e aliadas.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.