À medida que o conhecimento de mindfulness se expande no mundo, e mais e mais seja divulgado, é comum as pessoas ficarem um pouco confusas diante da variedade de abordagens oferecidas. Frequentemente tais abordagens têm sido reunidas em conjuntos individualizados, conhecidos como protocolos, que facilitam a divulgação das práticas e são dirigidas a objetivos mais específicos. Para o interessado que chega agora isso tudo pode ser confuso. Afinal, o que praticar? Um dos grandes mestres de meditação da Tailândia, Ajahn Chah, nos conta uma história que bem pode servir para refletirmos sobre essa situação contemporânea.
“Na época do Buddha, vivia um monge que ansiava por encontrar o verdadeiro caminho para a iluminação. Ele queria saber com certeza qual era o modo correto e o incorreto de treinar sua mente em meditação. Tendo decidido que viver em um monastério com um grande grupo de monges era confuso e perturbador, ele saiu vagando em busca de lugares tranquilos para meditar sozinho. Vivendo sozinho, ele praticava continuamente, experimentando por vezes períodos de calma, quando sua mente era tomada por uma concentração unificada, e outras vezes sem experimentar calma alguma. Ainda não havia certeza real em sua meditação. Às vezes ele era muito diligente e fazia um grande esforço, às vezes ele era preguiçoso. No final, ele foi pego pela dúvida e pelo ceticismo resultante de sua falta de sucesso ao tentar encontrar o caminho certo para a prática.
Durante esse tempo na Índia, havia muitos professores de meditação diferentes, e o monge ouviu sobre um professor famoso, “Ajahn A”, que era muito popular e tinha a reputação de ser hábil na instrução de meditação. O monge sentou-se e pensou, e decidiu que, caso o famoso professor realmente soubesse o caminho correto para a iluminação, ele partiria para encontrá-lo e treinar sob sua orientação. Tendo recebido ensinamentos, o monge voltou a meditar por conta própria e descobriu que, embora alguns dos novos ensinamentos estivessem de acordo com seus próprios pontos de vista, alguns eram diferentes. Ele descobriu que ainda estava constantemente sendo pego em dúvida e incerteza. Depois de um tempo, ele ouviu falar de outro monge famoso, “Ajahn B”, que também tinha a reputação de ser totalmente iluminado e habilidoso no ensino da meditação; esta notícia simplesmente produziu mais dúvidas e questionamentos em sua mente. Eventualmente, sua especulação o levou a sair em busca do novo professor. Tendo recebido novos ensinamentos, o monge partiu e foi para a prática em solidão mais uma vez. Ele comparou todos os ensinamentos que ele havia absorvido deste último professor com os do primeiro professor, e descobriu que eles não eram os mesmos. Ele comparou os diferentes estilos e características de cada professor e descobriu que eles também eram bem diferentes. Ele comparou tudo o que aprendeu com seus próprios pontos de vista sobre meditação e descobriu que nada parecia se encaixar! Quanto mais ele comparava, mais ele duvidava.
Não muito tempo depois, o monge ouviu boatos emocionados de que “Ajahn C” era um professor realmente sábio. As pessoas falavam tanto sobre o novo professor que ele não aguentava mais e se sentiu compelido a procurá-lo e tentar treinar com ele. O monge estava disposto a ouvir e a experimentar o que o novo professor sugerisse. Algumas coisas que ele ensinou eram as mesmas de outros professores, outras não; o monge continuava pensando e comparando, tentando descobrir por que um professor fazia as coisas de uma determinada maneira e outro o fazia de forma diferente. Em sua mente, ele estava agitado com toda a informação que havia acumulado sobre as diversas visões e estilos de cada professor e, quando ele juntou as suas próprias opiniões, que eram completamente diferentes, acabou sem nenhum samādhi. Quanto mais ele tentava descobrir onde cada professor estava, mais ele ficava inquieto e agitado, gastando a sua energia toda até que ele tornou mental e fisicamente drenado, totalmente derrotado por sua infinita dúvida e especulação.
Eventualmente o monge ouviu a notícia que rapidamente se espalhava sobre um professor totalmente iluminado chamado Gotama que havia surgido no mundo. Imediatamente sua mente ficou completamente tomada e ele começou a correr, rápido como nunca, elocubrando sobre o professor. Assim como antes, ele não resistiu à vontade de ir e ver o novo professor por si mesmo, então foi prestar respeitos ao Buddha e ouvi-lo expor o Ensinamento. O Buddha explicou-lhe que, em última análise, é impossível obter verdadeira compreensão e transcender a dúvida simplesmente por procurar e receber ensinamentos de outras pessoas. Quanto mais você ouve, mais duvida; quanto mais você ouve, mais confuso você se torna. O Buddha enfatizou que a sabedoria de outras pessoas não pode eliminar suas próprias dúvidas. Outras pessoas não podem abandonar a sua dúvida por você. Tudo o que um professor pode fazer é explicar a maneira como as dúvidas surgem na mente e como refletir sobre elas, mas você precisa tomar as palavras e colocá-las em prática até obter a visão e saber por si mesmo. Ele ensinou que o local da prática é dentro do corpo. Forma, sensações, lembranças, pensamentos e consciência sensorial são os seus professores; eles já fornecem a base para o insight. O que ainda falta a você é uma base no cultivo mental e na reflexão sábia”.
Essa história é bastante significativa. Numa leitura superficial ela parece ser uma crítica a buscar aprendizado de muitos professores e uma declaração afirmativa para procurarmos “nossa própria verdade”, mas em uma análise mais cuidadosa podemos ver que não é bem assim. Não há uma condenação explícita ao monge pelo fato de procurar vários professores, mas sim ao modo como ele o fazia. O monge iniciante buscava nos outros uma validação para seus entendimentos, fazia comparações constantes, e devido à sua própria inexperiência ficava ainda mais confuso à medida que aprendia mais.
Podemos notar que em vez de uma desaprovação ao desejo de aprender com outros mais experientes, há de fato um estímulo. Quando ele foi meditar sozinho por conta própria ele foi tomado por incertezas. E como ele não olhava profundamente para suas próprias experiências, suas dúvidas apenas cresciam.
Para os praticantes atuais de meditação e mindfulness há lições valiosas, ainda mais considerando que o próprio movimento mindfulness atual foi fortemente inspirado exatamente por este último professor que o monge da história foi procurar. A resposta desse professor foi de que a verdadeira compreensão e transcendência da dúvida vem da própria experiência, em praticar por si mesmo dentro de si mesmo. Mas apenas fazer isso sem instruções também pode ser uma fonte de dúvidas. Ouvimos, lemos e aprendemos – e isso é muito importante -, mas também nos esforçamos por colocar tais aprendizados em prática em nossa vida diária, e refletimos sobre tais ações e seus resultados. Com isso vamos desenvolvendo prática e compreensão. No final das contas, visões extremas são perigosas. Nem colocar totalmente nossas vidas no entendimento dos outros, nem recusá-los totalmente e achar que devemos inventar a roda por nós mesmos.
- Ricardo Sasaki é psicólogo clínico, diretor do Centro Nalanda e um dos professores do NUMI.