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McMindfulness, a Motivação e a Gratidão

Por Ramon M. Cosenza

Mindfulness: a nova espiritualidade capitalista

Recentemente, têm sido publicados livros com críticas contundentes à prática de mindfulness no mundo moderno (*). A primeira crítica denuncia que o Movimento Mindfulness foi capturado pelo sistema capitalista. Mindfulness virou um negócio lucrativo para muitos e tornou-se apenas mais uma forma de ganhar dinheiro. E a ânsia pelo lucro apenas desvirtua o movimento. Apenas um aplicativo para internet, o Headspace estaria avaliado em um montante próximo a um bilhão de dólares. Aliás, ele é comercializado como uma academia de ginástica para a mente.

O movimento mindfulness, tem se espalhado por escolas, corporações, forças armadas e até prisões. Mas, as intenções que estão por trás desse crescimento, estão bastante dissociadas daquelas que estavam ligadas às suas origens budistas. Corporações não querem funcionários mais gentis ou socialmente responsáveis: querem aumento da produtividade, foco aumentado na resolução de problemas da empresa e menos custos de saúde, pela diminuição da ansiedade e do estresse. As forças armadas também desejam soldados mais focados e menos estressados, de modo a executar mais eficientemente as ordens que recebem. Algo semelhante pode ocorrer até na Educação, onde é interessante para o sistema dominante que haja professores e alunos mais conformados e menos críticos com os problemas reais da escola e do meio social. 

Uma outra crítica,  presente naqueles livros, afirma que Mindfulness é alienante, tem sido veiculado como uma prática individualista e seria uma forma de “fuga para o presente”. As pessoas simplesmente são levadas a individualizar a responsabilidade de resolver a ansiedade e o estresse que, frequentemente, são  causados pelos desequilíbrios dos sistema econômico e social. Segundo esses críticos, o movimento Mindfulness, como está posto, favorece o “momentismo” e desencoraja a imaginação utópica. Enfatiza o autocuidado, sem preocupação com a comunidade. Mobiliza a autorregulação como forma de se adaptar, para ser absorvido e não perecer. Isso, naturalmente,  é muito bom para o Mercado e a expansão do movimento poderia ser comparado com o sucesso das lojas do McDonald’s, daí cognominá-lo de McMindfulness.  

A prática de mindfulness foi dissociada de suas raízes budistas

É verdade que o capitalismo costuma se assenhorar de toda e qualquer oportunidade de obter lucro. E isso acontece com o movimento mindfulness quando não se leva em conta suas origens éticas e filosóficas encontradas no budismo. Essas raízes têm uma preocupação ética e uma ênfase na interação social, com a natureza e com todos os seres vivos. Mindfulness, em suas origens, deveria levar à conexão entre todos os seres, e com a natureza. Os budistas rejeitam o apego a um Ego imutável e propõem a compaixão universal. O Capitalismo, ao contrário, promove o individualismo e a competição e a prática de mindfulness dentro desse contexto  não contribui para o aprimoramento da sociedade atual.

 É para isso, então, que devemos ficar atentos, de modo a não nos satisfazermos com uma auto-absorção e um isolamento do mundo em que vivemos. Mindfulness precisa transcender o individualismo e focar também nos problemas de nossa sociedade que provocam infelicidade, como o consumismo, o individualismo e a competição desenfreada.

Pode haver uma maneira saudável de praticar mindfulness,  quando ela está conectada com o ambiente social e natural. Do contrário, pode ser inócua e até aumentar o sofrimento que ela se propõe diminuir. A sua prática necessita um enquadramento moral, uma visão social para guia-la. Sem isso, os praticantes podem perder-se na auto-absorção. Praticada de forma saudável, Mindfulness pode contribuir para uma postura crítica e construtiva.

Felizmente, a prática de mindfulness não é feita impunemente. 

Mindfulness é uma forma de estar consciente do momento presente, com abertura e sem julgamentos. Ela envolve uma atenção plena, mas não é só isso. Sua prática acaba por ser, necessariamente, mais extensiva. A forma que utilizamos para desenvolver a atenção plena é através da meditação, e as práticas meditativas têm uma ação ampla sobre os processos mentais, pois atuam de uma forma abrangente na estrutura e no funcionamento do sistema nervoso, modificando várias funções cognitivas que aumentam a capacidade de autorregulação.

Todas as formas de meditação têm em comum o treinamento da atenção executiva, mas esse treinamento acaba por modificar o funcionamento de outros circuitos nervosos, importantes para a cognição, o controle emocional e também para a motivação. E essas modificações das chamadas funções executivas têm o efeito não só de promover a consciência do momento presente, mas também de modificar a auto-percepção, a maneira de reagir aos estímulos emocionais e traz também uma nova maneira de se posicionar no mundo, com uma maior clareza sobre os valores que podem e devem nortear nossa conduta, em busca de uma vida mais plena, mais satisfatória e mais integrada no ambiente social e físico em que vivemos.

Mindfulness modifica nossa Motivação

Entre as funções executivas modificadas pela meditação está a regulação conativa, ou motivacional. A prática meditativa aumenta nossa capacidade de raciocínio discriminativo e diminui nossa impulsividade, permitindo que nos libertemos do piloto automático, que nos leva a preferir sempre as gratificações imediatas ao invés de tomarmos decisões que podem trazer mais vantagens no longo prazo. Isso é importante na identificação dos valores de longo prazo, que nos indicam qual a melhor conduta para obter uma felicidade genuína e uma vida realmente satisfatória.

A meditação altera os circuitos pré-frontais, que regulam não só a atenção, mas coordenam também os processos de tomada de decisão, que levam em conta quais condutas são mais adequadas para atingirmos os objetivos que realmente nos interessam. Quando nos debruçamos sobre os valores que realmente importam, descobrimos que a felicidade que todos buscamos não se limita apenas ao desfrute do prazer. Os momentos significativos da vida, e isso tem sido confirmado pela Psicologia Positiva, geralmente são aqueles em que sentimos prazer (hedonismo) e/ou a presença de um propósito (eudemonismo) no cotidiano. A felicidade é resultado da experiência de prazer e propósito ao longo do tempo. Além do prazer, todos buscamos aquilo que tenha um significado importante e possa nos conferir um sentido de propósito para nossa vida cotidiana.

Quando prestamos atenção nesses momentos, que proporcionam essa vida mais satisfatória, percebemos que eles envolvem muito frequentemente as nossas interações sociais e com a natureza.  E isso nos convida a cultivar valores e condutas que impulsionam sentimentos como a gentileza, a compaixão, a colaboração e o altruísmo e nos levam a perceber a profunda interdependência que caracteriza nossa estadia nesse planeta. A meditação nos ajuda não só a perceber a importância desses valores que podemos adotar, mas também nos ajuda a modificar nossa conduta cotidiana, de maneira que podemos nos contrapor aos muitos valores negativos que encontramos na sociedade em que vivemos. 

Quando, com o auxílio da meditação, examinamos nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossa motivação, podemos identificar nossos valores mais legítimos, que deverão direcionar  nossa conduta em busca de um mundo melhor não só para nós, mas para todos os seres vivos. Uma sociedade disfuncional gera tensões e desequilíbrios que levam ao estresse e à ansiedade e sua eliminação não deixa de passar por soluções coletivas.

Portanto, a prática da meditação não leva apenas a uma consciência acrítica do momento presente, com um convite ao isolamento e à alienação e, consequentemente, o movimento mindfulness,  não precisa ser alienante e pode na verdade contribuir para a construção coletiva de um mundo melhor.

Os diferentes tipos de meditação e sua capacidade de alterar os processos mentais e o comportamento.

Embora existam muitas práticas diferentes de meditação, todas elas têm em comum o fato de serem formas  de treinar a atenção, com o objetivo de desenvolver estados mentais positivos. São diferentes os tipos de meditação utilizados nos programas de intervenção que são chamados de mindfulness interventions e na verdade elas levam a modificações mais abrangentes do que o simples desenvolvimento da atenção plena, ou mindfulness. 

O primeiro tipo é a meditação concentrativa (atenção focada), importante por seus efeitos principalmente no treinamento da atenção executiva.  Um outro tipo é a meditação receptiva (monitoramento aberto), que nos permite examinar as informações que chegam à consciência provenientes do mundo externo e também do nosso espaço mental. Ela está mais próxima do conceito de mindfulness, pois permanecemos no momento presente enquanto nossa atenção mantem-se ampla, sem acrescentar julgamentos e com uma atitude de aceitação.  Essa modalidade de meditação, nos permite ter insights sobre o nosso funcionamento cognitivo e, juntamente com a meditação concentrativa, também modifica a maneira como lidamos com nossas emoções.  Um terceiro tipo é a meditação generativa, em que procuramos gerar internamente uma emoção positiva, que irá atuar principalmente em nossos sentimentos e posteriormente em nossa conduta. Ela geralmente aumenta nossa sensação de bem-estar, ao mesmo tempo que pode  modificar nossos hábitos, tornando-nos mais generosos e pró-sociais.

(*) Mindfulness and its discontents (David Forbes) (2019); Mc Mindfulness: How mindfulness Became the New Capitalist Spirituality (2019)

Uma prática de meditação generativa: A gratidão.

Um convite para cultivar a gratidão:

Meditação da gratidão

A prática da gratidão pode ser usada para promover bem-estar, resiliência e esperança. À medida que experimentamos emoções positivas como gratidão, gentileza e compaixão, nossa consciência se amplia, nossas capacidades de criatividade e resolução de problemas florescem e nos tornamos mais eficazes nas coisas que decidimos fazer. Elas também nos tornam mais generosos e desenvolvem nossas propensões pró-sociais.

  1. Para começar, encontre um lugar seguro e tranquilo onde você saiba que não será perturbado.
  2. Sente-se ereto em uma posição confortável e estável, onde você se sinta totalmente apoiado, onde suas costas, pescoço e cabeça fiquem retos. Ou deite-se de costas em um lugar confortável, com algum apoio sob os joelhos. Certifique-se de que você estará aquecido o suficiente. Afrouxe qualquer roupa restritiva que impeça você de respirar confortavelmente.
  3. Permita que seus olhos fechem suavemente ou mantenham um foco suave, olhando para cerca de 1 a 2 metros à sua frente.
  4. Respire lenta e profundamente para se acostumar ao momento presente e inicie o processo de se sentir mais tranquilo e centrado. Você pode prestar atenção na respiração, percebendo o ar que entra, na inspiração e sai, na expiração.
  5. Agora, dedique algum tempo para examinar mentalmente o seu corpo em busca de áreas onde haja tensão, incômodo ou dor, e dirija sua respiração, quente e cheia de oxigênio, para essa área; ao expirar, solte a tensão.
  6. Agora, dirija sua atenção para o seu espaço mental e observe quaisquer pensamentos, memórias, planos ou associações. Mas, libere esses pensamentos: deixe de lado qualquer coisa que não seja estar aqui, respirando e enquanto você expira, permita que os pensamentos se dissolvam com a expiração.
  7. Agora, observe os sentimentos presentes em seu espaço mental: irritação, preocupação, medo, raiva, ciúme ou tédio. Apenas respire nessas emoções, observando-as e permitindo que elas fluam e se dissolvam enquanto você expira.
  8. Agora que nossos corpos, emoções e pensamentos estão um pouco mais claros, mais espaçosos e abertos, podemos começar a nos concentrar nos eventos, experiências, pessoas, animais ou objetos pelos quais nos sentimos gratos. Procure gerar um sentimento de gratidão genuína ao trazê-los à sua consciência.
  9. Primeiro, lembre-se de que neste exato momento, você já tem vários presentes extraordinários, pelos quais é legítimo ser grato:
    • O presente da vida em si, o presente mais precioso. A fortuna de estar em um planeta que tem condições, se tratado com respeito, de promover a manutenção de ecossistemas e de uma biodiversidade que garantem as condições para a sobrevivência de todos os seres vivos. Podemos ser gratos pela presença das condições climáticas, de oxigênio puro, de água potável e de solos férteis, que provêm o que necessitamos para a continuação da vida.
    • É preciso lembrar, também, da sua vida em particular. Alguém deu à luz a você, alguém o alimentou quando era criança, trocou sua fralda, vestiu, deu-lhe banho, lhe ensinou a falar e a comunicar-se.
    • Considere o dom da visão, que lhe permite observar as belezas naturais: o céu, as estrelas, as florestas, as flores, as praias e as montanhas. Pela visão você pode observar as pessoas e objetos à sua volta, as obras de arte que lhe trazem uma experiência de admiração e reverência.
    • O dom da audição, para que você possa ouvir e apreender – seja a música de um pássaro, as notas de uma banda ou orquestra – as vozes de cantos e canções, o som da própria respiração, fluindo para dentro e para fora.
    • O presente de um corpo saudável, que pode se locomover e perceber o mundo; de um batimento cardíaco, constante, regular, momento após momento, bombeando sangue fresco e vital para todos os seus órgãos.
  10. Agora pense em todas as coisas que temos hoje, que tornam nossas vidas mais fáceis e confortáveis do que eram para a maior parte das gerações que nos precederam. Tendemos a considerar essas coisas como garantidas e nos esquecemos que elas são dádivas que se renovam a cada dia:
    • Acionamos um interruptor e a luz aparece.
    • Abrimos uma torneira e obtemos água potável.
    • Ajustamos um termostato e uma sala fica mais quente ou mais fria.
    • Temos um telhado para nos manter secos quando chove, paredes para impedir a entrada do vento frio, janelas para deixar entrar a luz, telas para afastar os insetos.
    • Entramos em um veículo, seja terrestre ou aéreo e ele nos leva para onde queremos ir.
    • Temos acesso a máquinas que lavam nossas roupas. E temos roupas para vestir, lugares para guardá-las.
    • Existem artefatos que armazenam nossa comida na temperatura certa e nos ajudam a cozinhá-la sem precisarmos coletar madeira e acender o fogo em condições precárias. Temos água encanada e gás em nossas residências.
    • Temos bibliotecas reais e acervos virtuais, com milhares de informações: livros, documentos, vídeos e gravações, tudo ao nosso alcance.
    • Temos escolas, com professor@s que podem nos ensinar a ler e escrever e a obter um sem número de habilidades e informações que estavam disponíveis apenas para poucos há apenas algumas dezenas de anos.
  11. Agora, reserve um momento para refletir sobre todos os milhares de pessoas que trabalham duro, geralmente sem conhecer você, para tornar sua vida mais fácil ou mais agradável. Por exemplo:
    • Alguns que plantam, cultivam e colhem sua comida. Alguns que transportam esse alimento até o mercado.
    • Uma equipe de pessoas que fazem e mantêm as estradas e ferrovias que facilitam o transporte dos alimentos. Outra equipe que mantém os veículos de transporte. E motoristas, carregadores e descarregadores.
    • Aqueles que dedicam tempo e esforço para projetar os locais de compra e venda, as prateleiras, a embalagem que mantém a comida segura e permite que você encontre o que precisa.
    • Aqueles que preparam sua comida e aqueles que promovem as condições de higiene, limpeza e segurança dos locais onde você reside ou trabalha.
    • Aqueles que projetam operações e sistemas e se empenham para coletar e descartar lixo e fazer reciclagem.
    • Aqueles que mantêm os servidores para que você possa obter e enviar mensagens eletrônicas e acessar a Internet.
    • Aqueles que trabalham no serviço postal. Alguém que classifica as encomendas, outros que as entregam.
    • Aqueles que coletam notícias, vídeos e fotos, e aqueles que criam os muitos mecanismos pelos quais as notícias podem chegar até você.
    • Todos aqueles que praticam esportes, criam arte ou música, ou fazem poemas ou filmes para entreter e elevar você.
    • E a maioria delas são pessoas que você nunca conheceu ou mal conhece.
  12. Agora, considere as pessoas e animais que você realmente conhece e que enriquecem sua vida, aqueles que sorriem para você e o animam, aqueles familiares, amigos, conhecidos, colegas e mesmo aqueles ancestrais que trabalharam para que você pudesse viver bem. Aqueles amigos e amigas que te apoiam quando você precisa de um ombro ou uma mão.
  13. Agora, pare um momento para refletir sobre suas razões particulares para se sentir grato neste momento de sua vida. Há sempre muito para mobilizar nossa gratidão em todos os momentos. A gratidão pode encher nossos corações e mentes, elevando nosso espírito.
    Lembre-se, também, que a gratidão gera o sentimento da reciprocidade. Ela nos convida a ser generosos e retribuir com nossas palavras e gestos o muito que recebemos da comunidade e do mundo a nossa volta.
  14. Estamos agora terminando a nossa prática e, quando soar o sinal, procure perceber as sensações do seu corpo e sua respiração. Descanse em silêncio por algum tempo, notando como você se sente em todo o corpo, suas emoções e seus pensamentos. Sem julgamento, apenas percebendo as coisas como elas são. Gentilmente estique suas mãos e braços, pés e pernas. Se você optar por ficar em pé, faça isso devagar.

Obrigado por praticar esta meditação que visa promover um sentimento de gratidão.

Com a prática, você pode se sentir grato facilmente, onde quer que esteja. 

Você pode optar por manter um diário, anotando de três a cinco coisas por semana, pelas quais você se sente particularmente grato. 

Você pode aproveitar a força dessa gratidão sempre que desejar.

[Esta prática foi desenvolvida, a partir da disponível no site Greater Good Science Center]

  • Ramon Cosenza é médico, Doutor em Ciências e autor de vários livros no campo das neurociências. É professor aposentado da UFMG e atualmente coordena o Curso de Neuropsicologia da Faculdade de Ciências Médicas de MG. Tem formação como instrutor em meditação no Santa Barbara Institute for Consciousness Studies – EUA (Cultivating Emotional Balance – CEB) e na University of California at San Diego – UCSD (Mindfulnes Based Stress Reduction – MBSR). É membro da Equipe NUMI, onde atua como consultor científico e professor de mindfulness.

1 comentário em “McMindfulness, a Motivação e a Gratidão”

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