Em um workshop recente da GGSC, com Kristin Neff e Shauna Shapiro, a editora da Greater Good Magazine descobre o poder visceral da compaixão.
por Kira M. Newman
Estou em um auditório com 200 outras pessoas, encarando um estranho nos olhos, enquanto choro.
Como parte da nossa oficina, “Ciência de Mindfulness e Compaixão”, a psicóloga clínica Shauna Shapiro pediu aos participantes que nos voltássemos para a pessoa ao lado e imaginássemos toda sua dor – suas lutas e perdas, seus pesares e dificuldades.
Eu já havia praticado a consciência plena e a compaixão antes, é claro, mas isso era diferente. Isso era visceral.
E este é o ponto, exatamente, explicou Shapiro e sua co-apresentadora, a psicóloga Kristin Neff. Autocompaixão não é um exercício intelectual, em que se combatem os pensamentos de autocrítica com argumentos lógicos de autoaceitação. Ao contrário, autocompaixão é uma atitude, um sentimento de carinho, amorosidade e conectividade, que existe em nossos corpos, tanto quanto em nossas mentes.
Ao imaginar a dor do meu colega, eu praticava compaixão, e Neff não vê tanta diferença entre compaixão e autocompaixão. Ela define autocompaixão como a capacidade de nos tratarmos como trataríamos um amigo que sofre. Segundo sua perspectiva, isso envolve três passos:
- Consciência plena: estar consciente do próprio sofrimento, sem nos deixarmos abater por isso.
- Humanidade compartilhada: reconhecer que nosso sofrimento é parte da experiência humana, que nos conecta aos demais.
- Autogentileza: autocuidado quando sofremos, amainando nossa dor e oferecendo-nos compreensão.
“Enfim, o que se pratica com a autocompaixão é verificar o que precisamos no momento e se é possível providenciar-nos aquilo de que necessitamos”, disse Neff.
Podemos fazer uma pausa para um intervalo de autocompaixão sempre que nos sentirmos em dificuldade. Mas não podemos fazer isso mecanicamente. Como Neff explicou, precisamos encontrar as palavras que estimularão nossos corpos a suavizar – aquelas que soam corretas e que são sentidas como corretas. Isso pode ser diferente para cada um:
- Consciência plena: Pode-se dizer para si, “Este é um momento de sofrimento” ou “Isto está dureza”.
- Humanidade compartilhada: Pode-se dizer para si, “Sofrer faz parte (da vida)” ou “Não estou sozinho(a) nisso” ou “Todo mundo tem seus problemas”.
- Autogentileza: Pode-se dizer para si, “Que eu seja gentil comigo” ou até “Sinto muito, querido(a)”.
Nos momentos em que sentimos pena de nós, ou nos criticamos, Neff recomenda usarmos um gesto amoroso, tal como colocar as mãos no coração, segurar o estômago ou dar-nos um abraço. Mais uma vez, o sentimento é mais importante que qualquer passo em particular – alguns desses gestos podem lhe parecer estranhos ou desconfortáveis até, enquanto, para outros, são a coisa certa. A chave é experimentar e descobrir um, que lhe traga um senso de conforto e carinho.
Apesar de haver mais pesquisa sobre os efeitos da compaixão no corpo e na mente, alguns estudos começam a revelar o impacto da autocompaixão. Por exemplo, um estudo bastante recente mostrou que a prática da autocompaixão reduz o estresse de nossa resposta face uma tarefa atordoante, medido pela variação da frequência cardíaca (a variação no tempo entre batidas do coração, com níveis mais altos associados a melhor regulação emocional e mais saúde).
Neff rememorou ter-se deixado abater por pena de si num dia em que ela observava seu filho autista esmurrar o escorregador de um parque, ao invés de brincar adequadamente como as outras crianças, aparentemente perfeitas. Ao se lembrar de tratar-se com compaixão, ela sentiu essa onda carinhosa de conexão e comunidade – a realização de que todos os pais lutam com seus filhos de diversas maneiras. Isso a fez sentir-se mais próxima deles, do que isolada.
Acalmando nossos corpos, Neff acredita, a autocompaixão pode ser útil às pessoas ao nosso redor. Como criaturas sociais, nós “pegamos” as emoções dos outros – a sutil linguagem corporal e as dicas faciais que transparecem mesmo quando tentamos escondê-las. Alguém que exala calma e carinho, ao invés de severidade e desassossego, pode espalhar essa tranquilidade a outros.
Nem toda autocompaixão é sentida como carinho prazeroso, entretanto. Neff acredita que a autocompaixão tem um Yin e um Yan. Seu Yin é o formato que conforta e acalenta, quando validamos nossa dor e reconhecemos nossas dificuldades. Seu Yan é o formato mais motivador da autocompaixão, quando nos protegemos ou providenciamos ajuda aos outros – gerando sentimentos de firmeza e força.
Na palestra, comecei a me sentir meio tola, chorando em público – ainda mais que esse era um evento no ambiente de trabalho! Mas meu colega havia começado a chorar também e, tendo em vista os fungados que ouvi a meu redor, nós não estávamos sozinhos.
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Este artigo foi publicado originalmente na revista online Greater Good, do Greater Good Science Center da UC, Berkeley, sendo aqui traduzido sob permissão por Rosana Lucas para o NUMI.