O cultivo de mindfulness envolve frequentemente o estabelecimento de foco mental. Mas nem todo foco pode ser considerado ‘mindful’ ou seja, um foco imbuído de plena consciência. Mindfulness implica aproximar-se das experiências com curiosidade, presença e uma grande aceitação de maneira a não impor nossas ideias e pré-julgamentos.
Como estabelecer tal foco? Como manter uma mente pura, básica, sem preconceito e ver as coisas como elas são? Isso requer um treinamento interno para que você seja capaz de treinar a sua mente nessa habilidade. O treinamento não é uma técnica específica, mas um modo de ver que você deve aplicar no seu dia a dia, no seu mundo. Ser capaz de olhar para você e para o outro de uma forma mais fundamental, tentando captar realmente com as coisas se apresentam. Frequentemente julgamos de imediato uma situação como “boa” ou “ruim”. Isso é uma forma de nos sentirmos seguros, “donos” da situação. Ao julgar já estabelecemos de início o “onde” estamos na situação. Fortalecemos nossos escudos, sentimo-nos seguros por trás dos muros do julgamento. Para desenvolver um foco com plena consciência você deve desenvolver uma mente concentrada, mas com abertura e focada nos elementos básicos da percepção, sem deixar as elaborações do pensamento intervirem de imediato.
Em termos de técnica você vai treinar esta mente focada durante o exercício meditativo para que depois possa continuar fazendo isso no seu dia a dia. Precisamos ter um objeto para começarmos. Não basta só pensar: “Bem, vou olhar todas as coisas com uma mente sem preconceito”. Então, por onde começamos? Começamos com um objeto. O objeto para a meditação deve ter certas características. Precisa ser um objeto que seja simples. Se ele for muito complexo sua mente vai ficar embaralhada, você vai começar a olhar demais para os detalhes e não conseguirá focar. O objeto em si não importa tanto. Não importa o objeto porque o que você quer treinar é a sua mente. É a capacidade de sua mente olhar sem colocar algo extra naquilo. Sem colocar julgamentos prévios, crenças, opiniões. É isso o que você quer. Então, não importa o objeto. O objeto pode ser uma almofada, pode ser uma ideia, um cheiro, um som. Não importa se é um objeto sensorial ou mental. O que importa é que você olhe para ele da maneira como tem de ser olhado.
Um som deve ser ouvido. Como você escuta um som? Som é uma coisa interessante. Falamos de som e lembramos de música, só que música é uma dessas coisas que não usamos tanto na meditação. Por quê? Porque ela não atende ao quesito de simplicidade. Música é complexa, mudam-se os ritmos, têm letras. A letra evoca sentimentos, associações, ideias. Se você escuta uma música que tenha palavras sendo cantadas, será difícil não acompanhá-las. Você vai associar coisas de sua própria vida. Vai impor uma série de sentimentos e conceitos de sua vida por cima daquele som. O som ideal é simples.
Uma vez escolhido o objeto, devemos usar o sentido apropriado: para o som, os ouvidos; para um objeto visual, usaremos os olhos. Tomamos o objeto e aplicamos nossa atenção a ele, sem tentar impor coisa alguma, sem acrescentar alguma ideia ou emoção. Simplesmente olhar. Você logo verá que não é um exercício tão fácil de ser realizado. Ser capaz de olhar um objeto, aquele objeto simples da meditação, e simplesmente estar com ele sem impor uma série de outras coisas, é um treinamento que pode demorar um longo tempo.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.