Dê uma oportunidade à respiração

Escolha um objeto simples e aplique a noção do olhar as coisas simplesmente como elas aparecem a você. A respiração é um objeto que atende aos requisitos necessários para este tipo de exercício. A respiração é algo simples, não evoca associações, não evoca gostos e desgostos. Aí, então, alguém deseja usar música como objeto meditativo. Coloco a 9ª sinfonia de Beethoven. Uns vão falar: “Ah, que bacana, eu gosto” e toda uma gama de afetividades serão construídas; outros dirão: “Detesto música clássica, nunca mais volto a fazer meditação”. Criamos um desgosto, uma aversão. Não é que não seja possível meditar com música. Porém, muito facilmente, impomos sobre elas as nossas opiniões e preferências. Com a respiração, porém, é diferente. Respiração é algo que ninguém nem odeia nem ama. Ninguém fala: “Me apaixonei pela minha respiração” ou “Detesto expirar, só gosto de inspirar”.

Isso significa que adotando a respiração iremos contrapor a tendência que temos de julgar todas as coisas: as pessoas, as situações e nós mesmos, atribuindo sinais positivos e negativos. Esse constante julgamento nos impede de estabelecer relacionamentos autênticos com aquilo que encontramos na vida, porque já temos ideias e crenças sobre tudo. Um conhecimento genuíno começa com o não julgamento, e observar a respiração pode ser um excelente exercício para isso.

Com a respiração como objeto teremos uma plataforma mais neutra para começar. Determine-se a ficar sentado, de forma relaxada por apenas alguns poucos minutos. Não venha com ideias a respeito da meditação. Isso é apenas sentar e observar a respiração que naturalmente ocorre. As crenças que temos a respeito das coisas têm muito mais influência sobre nossas experiências do que geralmente supomos. Então, “olhe” para a respiração como se fosse a primeira vez. Nem é preciso usar a palavra meditação e as possíveis associações que você estabelece quando ouve a palavra. Não limite sua experiência do presente devido a conceitos formados no passado.

Você quer tentar fazer isso exatamente agora? Apenas se sente confortavelmente de olhos fechados. Por que de olhos fechados?  Porque estamos olhando a respiração, e a respiração é invisível. Então, de fato, você não tem que olhar nenhuma respiração. Vamos apenas senti-la. Em relação à postura, você não precisa de nada complicado. Você escolhe aquela que seja confortável. Uma postura que lhe permita ficar o mais tempo possível imóvel. Por que imóvel? Tem que sentar em lótus? Tem que segurar a mão numa certa posição? Tem que ficar uma hora em êxtase? Não complique as coisas. O único motivo de você querer ficar imóvel ou pelo menos mexer menos é porque quanto mais você mexe mais distração você vai ter. Então, experimente agora ficar alguns momentos apenas sentindo a respiração. Quieto e consciente…

 

 

Viu? Não é tão difícil assim. Gil Fronsdal, um professor de meditação dos Estados Unidos, diz que: “Mindfulness em relação à respiração pode ser um poderoso aliado em nossas vidas. Com a atenção contínua em nossas inspirações e expirações, a respiração pode se tornar um equilíbrio constante no correr dos altos e baixos de nossa vida diária. Ao permanecer com ela e talvez até desfrutar dos ciclos de respiração, somos menos suscetíveis de sermos pegos em eventos mentais e emocionais que passam por nós. Repetidamente retornar à respiração pode ser um treino altamente efetivo para soltar os padrões de identificação e apego que fixam a mente e o coração”.

Vemos aqui que a respiração é apenas o começo de uma jornada. Quando nos acostumamos a observá-la vamos percebendo que nosso mundo mental e emocional é muito rico, mas também muito caótico. Mas apesar de todo movimento e agitação, tem algo que está sempre fluindo, constante e impassível. Isso está bem perto de nós. Isso é a nossa respiração.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

1 comentário em “Dê uma oportunidade à respiração”

  1. Agradecimento profundo que me leva a praticar e praticar e não desistir e mesmo se fraquejar, retomar e continuar porque esse é o caminho. Vida longa a todos que se dedicam a cultivar e reforçar os ensinamentos do Buda.

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