Não há permanência no mundo

Em “Porque não começar a meditar” falei que uma das ideias comuns que as pessoas têm é que o objetivo da vida é elas serem felizes e, sendo assim, todo seu esforço é dirigido em acumular sensações agradáveis. Quando repetidamente esse esforço se mostra sem os resultados esperados (afinal na vida tanto sensações agradáveis quanto desagradáveis são certas de ocorrerem), então, surgem irritação, ansiedade, medo, indolência.

É fundamental entendermos que o modo como lidamos com todas as experiências da vida depende de como entendemos a realidade. Uma de nossas crenças mais arraigadas tem a ver com a permanência de certas coisas. Pensamos que há certas coisas específicas no mundo que sejam permanentes e estáveis, que não cessam de existir, nem se modificam. Não aceitamos que algumas dessas coisas escolhidas possam mudar e cessar. O que são essas ‘coisas imutáveis’ depende de cada um. Para alguns serão os relacionamentos ou, mais exatamente, o relacionamento atual com alguém. O ‘até que a morte os separe’ é tomado literalmente, e se tal relação chega ao fim, é melhor matar o cônjuge e depois se suicidar, do que aceitar que aquilo chegou ao fim. É a ideia do amor e da amizade como fixos e imutáveis, impermeáveis à transformação e à mudança. Mas alguém já teve um tal amor que nunca mudou desde o primeiro momento até agora? Mesmo em casais que continuam juntos, ainda assim o sentimento muda regularmente. Para aqueles, porém, que foram inculcados com a ideia da fixidez nas relações, qualquer mudança é tomada com apreensão, insegurança ou mesmo pavor. Eles acreditam que uma relação amorosa deve ter um tipo de sentimento todo o tempo igual àquele que havia nos primeiros meses de paixão. Os próximos trinta anos devem ser assim! Quando mudanças são notadas, opa, algum problema deve estar havendo! E como lidamos com isso? Segurando ainda mais, forçando para que tudo continue exatamente igual.

Tente perceber aquilo que você considera permanente. Tente compreender o sofrimento que decorre dessa ideia. O caminho contemplativo deve ser um que busca entender a cobiça que temos por aquilo que é permanente. Nossos objetivos acabam sendo definidos por essas buscas pela felicidade que virá ao encontrarmos algo permanente. Incessantemente buscamos e nos frustramos ao descobrir que aquilo que pensávamos que nos daria felicidade se revela como mais uma miragem.

A permanência não é uma característica do mundo, e ao torná-la um objeto de busca e felicidade embarcamos num caminho de insatisfação contínua. As coisas mudam, as circunstâncias mudam, e se você coloca toda sua razão de viver na ideia de uma relação imutável com tais coisas, então, o sofrimento é inevitável. As pessoas fazem isso com empregos, filhos, ideias… E tudo isso causa grande parte de suas tristezas e angústias.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

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