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Por que não começar a meditar

Vários motivos levam as pessoas a começarem a meditar, e nem sempre são os mais apropriados. Um desses motivos é o de, por meio da meditação, obter experiências agradáveis. Isso está ligado à ideia generalizada de que o objetivo da vida é desfrutar de felicidade e de prazer. A partir disso, muitos pensam continuamente sobre como poderão aumentar seu conforto e seu deleite. Dentro da área que é mais fácil para cada um, segundo suas circunstâncias, condições de prazer serão buscadas. Pessoas mais auditivas se cercarão de músicas e cantos; as mais visuais procurarão quadros, natureza, etc. É natural, então, que muitos venham à meditação como uma forma de obterem prazer em tal atividade. Afinal, não é assim com todo o resto? E o problema com isso é que ao menor sinal de desconforto, físico ou mental, elas abandonam o treinamento meditativo. Milhares de pessoas começam na meditação, mas é pequena a porcentagem daquelas que continuam.

Há um motivo para se chamar a meditação de ‘treinamento’. Nem todos os seus momentos serão de prazer ou conforto. Se estou sentando mais tempo, agora há menos dores, minha mente está mais tranquila, então, continuo a meditar. Mas se começo a entrar em contato com conteúdos subconscientes difíceis, dores começam a aparecer, encontro resistência, ansiedade ou tédio, então me afasto da prática meditativa. Tal comportamento vem da ilusão de que o caminho sempre segue para ter mais prazer. O treinamento meditativo, no entanto, é cheio de curvas, de altos e baixos. Nem a mente nem o corpo funcionam linearmente e sempre de maneira ascendente.

Quando se fala da meditação como aumentando a consciência, isso não significa progressivamente ir entrando em algum tipo de união com energias cósmicas, mas sim do tornar-se mais e mais consciente, inclusive dos altos e baixos, das viradas para direita e esquerda, e aprender a lidar com isso de maneira sábia. A menos que alguém seja um santo, suas experiências não serão todas de santidade e beatitude. Pelo contrário, o curso do processo meditativo poderá ser de eventuais enfrentamentos com fantasmas, vícios, apegos arraigados, aversões, pensamentos obsessivos. Tudo isso será lidado com a técnica meditativa e seus refinamentos, se você tiver uma técnica e um instrutor competente, é claro. Ao longo do treinamento será percebido que felicidade genuína é bem diferente de experiências agradáveis, e que é possível ser feliz mesmo em meio a dores e desconfortos.

Buscar o prazer em tudo, ademais, leva o novato a acreditar que a meditação é uma técnica que em si levará a todos os benefícios apregoados nos manuais mais populares de meditação. Elas ignoram que meditação considerada meramente como ‘técnica’ tem benefícios limitados, e deve estar inserida num contexto de estudo, reflexão ética e sabedoria. Não basta ‘apenas sentar’. É preciso refletir como nosso comportamento corporal e verbal se ajusta àqueles princípios corporificados na meditação. Igualmente o estudo mais amplo da mente, seus estados e características, e como exatamente as técnicas meditativas operam em sua transformação, sempre foi considerado fundamental na eficácia da meditação.

Outro motivo não muito apropriado para começar a meditar é melhorar o próprio orçamento. Existe uma ‘cultura’ aqui no Ocidente contemporâneo de fazer cursos e tão logo se os complete, se julgar competente para ensinar os outros aquilo que acabou de aprender. Isso não é uma ocorrência rara. Pelo contrário, frequentemente encontramos o que poderíamos chamar de ‘coletores de cursos’, ávidos por buscarem vários cursos ‘de formação’ ou não, para logo começarem a ensinar e viver disso. Ao coletor de cursos para melhorar o orçamento se junta igualmente o coletor de cursos para melhorar o currículo. Aí vemos pessoas com obviamente muito poucos anos nas costas já com uma lista de especializações num sem número de meditações, técnicas e maestrias. Ora, qualquer técnica séria leva anos para se obter um conhecimento genuíno e mais outro tanto para ser capaz de transmitir com propriedade. Isso para não falar naqueles que nem precisam fazer muitos pequenos cursos para serem especialistas. Conheci um que foi para a Índia, fez 1 (um) curso de meditação de dez dias e voltou ao Brasil para fundar seu centro budista e se denominar de ‘mestre’. Sim, tem isso por aí.

Um bom motivo para começar a meditar é quando se percebeu que deve haver alguma coisa a mais na vida além daquilo que todos em geral estão fazendo. Esse é um motivo que começa a ser válido, pois se baseia em uma intuição de que há algo a mais na vida. Algo mais profundo do que o lugar comum por onde as pessoas transitam, fisicamente e no pensamento, em suas vidas cotidianas. Outro motivo apropriado é começar a meditação por se acreditar que ela pode ser um caminho para se ajudarem. Isso consiste de uma percepção de que há áreas inadequadas ou pouco desenvolvidas em si mesmo, e que os modos usuais de as pessoas levarem suas vidas não irão colaborar para tal desenvolvimento. Ainda outro motivo justo é quando pessoas ligadas a certa tradição religiosa ou espiritual veem as técnicas meditativas como ferramentas legítimas para atingirem os propósitos que sua tradição aponta.

Meditar pelas razões adequadas é um ponto vital no tocante à meditação ser um instrumento de transformação profunda ou apenas uma maquiagem para estados superficiais e enganosos para si e para os outros.

* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.

3 comentários em “Por que não começar a meditar”

  1. Confesso que mais de uma vez pensei em deixar de meditar, e o que me faz continuar na prática é justamente o tanto de coisa de que eu só me dou conta quando estou meditando. Não foi à toa que a carapuça me serviu quando você disse que, pra além de “apenas sentar”, é fundamental refletir.

    Quanto à diferenciação entre felicidade genuína e experiências agradáveis, me lembrei de um livro recente, que (ainda) não li, de uma pesquisadora chamada Emily Esfahani Smith: The Power of Meaning (embora nesse caso a diferença seja entre felicidade e significado).

    Pra não passar batido, uma pequena correção: o “por que” do título, neste caso, se escreve separado (já que ele traz a ideia de “por qual motivo”).

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