Houve uma época em que a internet foi vista como uma força inigualável para incentivar a união da humanidade. Ainda acredito nessa sua força. Temos hoje a oportunidade de fazer e manter amizades por todo o mundo, algo que pouco tempo atrás seria impossível. Lembro-me de que em minhas primeiras viagens pela Índia, numa época em que só havia a possibilidade de enviar cartas e telefonemas eram proibitivos e apenas possíveis indo a agências postais maiores, semanas se passavam para alguém no Brasil receber minhas cartas, e aí mais algumas semanas para elas chegarem de volta. Quanta coisa mudou desde então e comunicações de todo o tipo agora são possíveis com um toque num botão.
Infelizmente a internet também começou a revelar que nem todos desejam dialogar, trocar ideias de modo sadio e construtivo, aprofundar relações e descobrir novas amizades. O modo menos pessoal de se relacionar nos permitiu sermos abruptos, agressivamente “francos”, expressivamente mal-educados em nossas comunicações virtuais de uma maneira que provavelmente não o faríamos em nossas comunicações presenciais. O espaço virtual das redes sociais gradualmente, então, torna-se um espaço de confronto, agressão, liberação indiscriminada de racismo, preconceito e arrogância.
Para praticantes de uma vida mais consciente, o espaço virtual pode ser uma maravilhosa oportunidade de exercício de equanimidade e compaixão. Compaixão se opõe à arrogância de nos pensarmos não apenas como os mais corretos, mas também aqueles no direito de impor agressivamente nossas ideias e opiniões. Sim, diante da tela podemos praticar esta qualidade vital que afeta o coração humano profundamente. Compaixão no modo como recebemos a informação e como respondemos a ela.
Mantendo em mente que todos os seres passam pelo sofrimento, podemos delinear nossa ação no mundo virtual como uma de ajuda e estímulo positivo. Devido ao fato de todos os seres estarem interconectados, a ação de cada um colabora para a melhoria ou para a degeneração da rede. James Fowler, professor da Universidade de San Diego na Califórnia, conduziu um estudo mostrando como a demonstração da compaixão ativa um mecanismo de contágio. Quando se sabe de alguém ajudando outra pessoa ou alguma causa, alguns se sentem motivados a fazerem o mesmo. O exemplo do bem estimula o bom dentro das pessoas.
Infelizmente a realidade da interconexão também funciona negativamente, e grupos de ódio e preconceito usam do mecanismo de contágio social para estimular o medo e a separatividade por meio de divulgação de notícias falsas, ênfases desequlibradas em aspectos particulares das notícias, e chamadas para a violência e o descaso pelos sentimentos humanos e até mesmo pela própria vida.
Tentar viver com maior consciência, um dos propósitos maiores de mindfulness, é tentar estar consciente do poder que nossas palavras (o meio principal de interação virtual) podem ter sobre a saúde da rede daqueles com os quais nos relacionamos. Ao utilizar de palavras agressivas e de baixo calão despertamos nos outros presentes também sentimentos de ira e divisão que agora, com respaldo, passam a achar natural a expressão preconceituosa e divisiva.
Essa ação não estimula apenas os baixos sentimentos da audiência. Diversos estudos [por ex.: http://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1000316] têm mostrado como viver num ambiente influenciado pela compaixão e pela consideração ao outro colabora de modo significativo no fortalecimento do sistema imune, na redução dos processos inflamatórios e na redução do tempo de recuperação de doenças. Envenenando o meio virtual com nossas palavras, mesmo que pensemos a nós mesmos como justos e corretos, envenenamos não apenas o mundo mental das pessoas que atingimos, mas também sua saúde. Que possamos desenvolver a sabedoria para usar as palavras como instrumentos de consciência e justiça, mas também de respeito e cura.
* Ricardo Sasaki é psicólogo clínico e um dos professores do NUMI.